Oceano. (microconto).
Eu não sabia mais quanto dias estava na água - comecei no rio largo, à tarde entrado, veio a noite e achei poder ficar mais tempo, porque ainda tava leve a rede, daí em diante a escuridão surgiu e não saí mais desse espelho infinito. Tinha minha vareta, mas não me servia de mais nada, meu pensamento estava só no me encontrar. A rede? Fedia. Porém, tive, na verdade obrigado, coragem: dispunha os ossos, por necessidade, sei lá. Tudo azul - e branco. Águas dessas de pele de baleia. Céu azulíssimo, vivo, e nuvens de pura brancura. Meu Deus, é muito estranho. Talvez eu seja um pontinho pintado numa tela - esqueceu o artista de terminar? É uma obssombração: tudo tem olhos; o céu é um gigante nos encarando, o oceano é uma íris. Desses medos, desatinos meus - verdadeiros? Estou certo de minha descerteza. Desespereza. Rezas já lancei todas. Já pensei o variável, também: de me jogar, deixar-me afogar; se estou em sonho, morte desejável: daí acordo, mas quem garante?; misericórdia! Minha velinha: não há vento, só sopro, e ele não tem direção, mas vem de toda parte, centrando, me levando ao mesmo ponto, não mexo. Movimentos. Eu queria chorar. E, nessa agonia, senti cansaço, fadiga mesmo. Fastio. Alimentar essas coisas em mim... Nexos, nesgas. Quis parar. Vê a gota? Cai do céu, cai na água: um mergulho e blup! sobe novamente, e se desintegra - ou integra. Parei, respirei fundo, não sei por quanto tempo, mas foi a primeira vez que movimento senti. Quando abri os olhos, o susto: o barquinho se mexia. Ia em direção a um redemoinho!