Recado do mar - Décima primeira norturna. (microconto).
Na noite. Apenas o chuado levíssimo do mar. Oceano distante, tão perto. Lembrava-se dele: laranja, vermelho, amarelo, infinito; com as nuvens enfeitantes - a água esverdeava, tal as folhas das palmeiras, enquanto a areia imitava o céu, quase deserto se fantasiando. A esposa dormia tranquilamente, mas ele não, como se vê: tomava o momento para maiores escutâncias. Já devia de ser mais de meia-noite, talvez até se via um risco de azulado, desses safíricos, vitraçais, no horizonte. No geral: noite mesmo, quase lembrando de que havia manhã. Ouvia ruidinhos, os olhos não pesavam um trisco. Vigilante na hora, deitado rijo, desvendo o teto, borrado, insignificante. Que lhe mantinha acordado? Fizera reza a santo, antes de deitar. Isso lhe dava o tom: aviso. Queria achar que não conseguia dormir por causa de alguma ruindade rondando por aí, perigo da casa invadir. Entretanto, no que o tempo passava, se vidrava na natureza lá fora, e chegava a esquecer. O chuado se arrastou, que deu com as águas? Já as acompanhava há horas, decerto. Pegara-lhes o padrão: no momento, um descortinado horizontal, sendo arrastado por senhor; um véu de noiva enganada; um folheado de floresta dominada por onça. Mas, de repente essa incongruência. Que foi? Antes pensasse só besteira, porém ficou com isso grudado na mente, martelando. Não deu, se levantou e viu pela janela: a visão ruim. Manchas, só - mas algo estranho. Pôs chapéu, colocou faca na cintura, dentro da calça, escondida. Passou pela porta, dirigiu-se pr'areia. Um silêncio só; nem mais murmuros. Apenas uma garça voando perdida por aí, bem no alto - até pensou ser suindara. Foi mais perto, pra próximo da água. De lá viu, ao pé dum coqueiro: uma canoa parada, vazia.