Primeira viagem.

O menino recém-chegado, alegre muito, fervilhante! Tão afoito de correr, de ver, de ser criança, quase esqueceu de pedir a bênção aos avós. Muito engraçadinho de se ver, levantando poeira, batendo os pés com suas sandálias de couro. Primeira vez no interior. No carro, os pais muito falavam de como era, do que tinha, das muitas coisas. O menino inflou-se nisso, já entusiasmado há uma semana, desde a notícia da viagem.

- Espilicute, né?

- Seu neto!

Corria para toda parte e, mal chegando, já pulava para outra; análises, menino cientista. Queria tudo: plantas, cores, sons, objetos, bichos. Gostava da árvore, de escuríssimo tronco, de finíssimos galhos, com suas folhas translúcidas, quase amareladas, alguns pontinhos marrons, durinhos, e com formato de ponta de lança, como as que viu no livro de História.

De tantas maravilhas, o que lhe fascinou: um galo. Primeira vez, também. Havia galinhas, mas o galo era quem tinha o charme: sua crista, cristálida, vermelha e topetuda; as patas de guerreiro; o final brilhante das penas, como espadas mágicas; o bico com uma finura, pontiagudo afiado de cortar o mundo. Seguia os passos do galo, imitava-o. Tomava todo o seu ser: quase virava um, também. Aí o vô chamou, interrompeu o momento: - Vamos ali na praça...

Pela primeira vez, sentiu algo de estranho, como um sopro malfazejo. Mas foi, menino. Antes de sair, quis olhar para o bicho, de novo - e observou o pai e a vó, diante dele. A vó segurava uma faca, dava pra ver...

O vô foi levando, passearam por lá, sentindo o sol arder a pele, as sandálias espalharem a poeira que pintava o concreto de desbotamento, a cruz do centro, de madeira, já um pouco comida pelo tempo. Não tinha, já, a mesma euforia: sua cabeça estava no terreiro da caça, no som do galo. Na imagem que viu. Por que uma faca? Imaginou se o galo seria capaz de vencer uma pessoa, com faca e tudo - o galo era forte! Esse pensamento alegrava, o menino sorria.

Depois do passeio, arrastado, de mostrar qualquer coisa como incrível, o vô resolveu que "deu tempo". Tomaram rumo de volta. Passado o portão, quis correr para o quintal, de novo. Havia um silêncio estranho... As galinhas não zuadavam mais, nem dentro os altos falavam. E... cadê o galo? Procurou, não achou. Viu algumas penas dele, bem onde tinha o visto pela última vez. Seguiu...

As galinhas, todas, circundando o final do caminho. Bicavam com força, com briga: a cabeça do galo!

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 10/06/2023
Código do texto: T7810455
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