Ciumeira
"O óbvio também é filho de Deus." - Nelson Rodrigues
Quando Andreia entrou na empresa, o clima entre Lúcia e Roberto ia nada bem. Tiveram um relacionamento complicado no passado; contudo, apesar das rixas, eram bastante profissionais.
Trocavam frases curtas ou palavras monossilábicas um ao outro quase todo o tempo com um único propósito: o trabalho. Amor realmente já não existia entre si, apenas o amargor do passado.
Andreia aos dois sempre observava. Era nova na empresa e subalterna à Lúcia - que, por sua vez, era chefe também de Roberto. As coisas tornaram-se mais interessantes quando ouviu um chisme de uma outra funcionária do grupo:
- Os dois foram casados; Lúcia traiu Roberto com um cara aqui da empresa - exclamou o mexeriqueiro no horário de almoço.
E os dias passaram. Andreia começou a se aproximar de Roberto com bastante interesse. Davam várias risadas - apesar de sua eficiência para com o trabalho. Dali em diante se tornaram mais próximos e Andreia percebera que sua relação com o homem não atingia de forma alguma Lúcia. Ademais, esta parecia nem lhes dar atenção.
Após dois meses de empresa, Lúcia e Roberto começaram a sair juntos. Chegavam de mãos dadas à corporação. Umas semanas seguintes, já estavam com alianças de compromisso nos dedos. Roberto parecia mais vívido, verdejante. Andreia era poucos anos mais jovem que ele e Lúcia, talvez essa seja a razão pela felicidade do homem: sua galanteria ainda atingia as moças mais jovens.
Nove meses se passaram e já estavam casados Andreia e Roberto. A empresa, a cargo de Lúcia, aceitara seu matrimônio porque começara após sua ingressão na empresa.
A partir do casamento, as atitudes de Andreia começaram a mudar radicalmente. A cada pessoa que se aproximava de Roberto, em casa ela fazia uma pergunta diferente. Perguntava-lhe se a amava todos os dias. Tratava-o de forma agressiva e não aceitava as invitações para sair aos finais de semana. Tornara-se uma possessiva.
Certa vez, ao ver Lúcia charlar com Roberto e deixar escapulir uma risada, bateu com o punho à mesa e retirou-se do ambiente laboral. Foi-se ao banheiro lavar o rosto e ali ficou a refletir. Lúcia, minutos depois, adentrou o local.
- Algum problema? - perguntou ela, preocupada com a funcionária.
- Nenhum, querida - replicou a outra, a secar o rosto, extremamente dócil e calma a falar. - Nenhum!
E Andreia saíra dali, acomodara-se ao seu assento e continuou seu trabalho. Os olhares de esguelha e curiosidade ainda pairavam sobre ela. Roberto não podia conceber por que tamanha agressividade em uma mulher que o abordara com todas as idiossincrasias de uma pessoa completamente calma e controlada.
Após o horário de almoço, antes que alguém visse, Andreia deixara um papel sobre a mesa de Roberto. E fizera o mesmo com Lúcia. Em ambos os papéis estava escrito que precisariam os dois - Lúcia e Roberto - ter uma conversa após o expediente. Andreia não disfarçara sua letra, porém os alvos de sua tramoia desconfiaram de nada.
Antes do fim do expediente, Roberto lhe fora sincero:
- Querida, preciso falar com a chefe - disse. - Pode volver à casa sem mim!
Sem transparecer nervosismo, ela apenas assentiu. Quinze minutos depois, o escritório estava vazio. O crepúsculo e a luz do luar já começavam a dar as caras pelas frestas das janelas.
Roberto entrara, sem bater, a sala de Lúcia.
- Diga-me o que você quer dizer, Roberto - começou Lúcia, a fiar-se em uns papéis à mão.
Roberto franzira a testa.
- Não quero dizer nada, ora - exclamou ele. - Você é quem queria falar comigo...
Lúcia encarara olhando-o nos olhos.
- O que você quer dizer?
- Que você escreveu-me um papel exigindo minha presença aqui após o expediente e cá estou! - exclamou ele.
- Há algo muito estranho acontecendo!
E assim ouviram a maçaneta da porta abrindo. Andreia entrara. Lúcia ficara sem o que dizer. Roberto engolira saliva antes de fazer-lhe a seguinte pergunta:
- O que está fazendo aqui, querida?
- Preciso falar com vocês - exclamou a mulher. - E é um assunto sério.
Os dois, ainda sentados, estavam confusos. Logo Andreia explicou-se. Falou de que tudo tratou-se de uma estratégia sua para colocar os pingos no is. Ademais, explicou- se de que tornara-se uma péssima esposa e a sala de Lúcia parecia uma sessão psicológica com tantas perguntas por parte de Roberto e com os solilóquios infindáveis de Andreia.
Lúcia irritou-se:
- Afinal, o que nos queria dizer?
A respirar fundo, encher o peito de ar e a fitá-la nos olhos, Andreia anunciou: - Lúcia, eu te amo - exclamou. - Desde a primeira vez em que te vi!
Lúcia franzira o cenho. Não conseguiu replicar.
- Que estória é essa?! - indagou-se Roberto, indignado.
- É a mais pura verdade! Eu não queria que você se envolvesse com ninguém mais além de mim para chamar a atenção de Lúcia. Mas nunca consegui! E os meses passaram, te vi ficar cada vez mais apaixonado por mim e as coisas começaram a dar errado - exclamou Andreia. - O fato é que não te quero magoar, Roberto. Aproximei-me de você por um gesto egoísta e desumano!
Com os olhos vermelhos, lacrimosos, Roberto fitara Lúcia com extremo horror e saíra correndo da sala. Andreia começou a soluçar ininterruptamente. Então, Lúcia levantou-se e aproximou-se de Andreia. Deu-lha um beijo na boca.
- Eu sabia de tudo, querida - disse, a encará-la afavelmente. - E é recíproco!