Seguindo o carro
Balançam os cabos, as ancas idem. Bois belos: marrons, amarelos, pretos. Todos bem alimentados. Chifres bem harmonizados, nenhum se enrrosca. Atrás vem a carroça, o carro, dirigida pelo seu Maquinzo. E eu venho a pé, mode controle. Mas nada. Boizinhos tranquilos. Bonitos também, já falei. Gosto deles, de vez em quando dou de carinhos fazer. Quando dentro do cercado, lá no sítio. Aqui, na terra, caminho, dá só de deitar os dedos em seus corpos. Maquinzo é cinza, gosta de bicho não. Bicho pra ele é coisa, ferramenta; acaba a serventia, vai ele e mata. Mas o dono não permite, não. Ma'já vi, um dia aí, ele indo ao mato com uma carabina. Tava levando um cachorrinho junto, doente de barriga, bem fraco há uma semana. Tempo todo sem comer, mas descomendo (como pode?). Pois ele levou pra lá o bichinho e escutei o barulho, depois não mais o vi. Todo mundo sabia que ele tinha feito, não podia ser mais ninguém, mas chefe acho que nem soube, porque o cachorro tinha chegado ali foi depois, à vontade, vivendo nas beiradas. Seu Maquinzo me chamou pra fazer isso que faço: guiar. Ele tinha de carregar qualquer coisa, não falou. Só sei que fedia. Vai ver esterco pra vender. Dá pra ver as serras, com nuvens azuis. Não sei se lá chove, haveria de fazer rio, mas de lá o chão só se toma do verdejal, mais pra cá é tudo amarelo de areia velha, maior parte. Dos bois batismo fiz, seguindo as faces, os jeitos: tem um que o chifre é pra baixo e o outro pra cima, chamo de Chesgo; um vive com capim nas ventas: é o Túpi; mais dois, que vivem juntos: Cosme e Damião. Falo mais com eles que qualquer um, sabe. Inda mais com seu Maquinzo de companhia, que eu nunca vi mais antipático. Quando fala, é pra reclamar. E cara sempre muito fechada. Mas olha aí um buraco! Com água, ainda. E a bichaiada, vai passar como? Devagarzinho, né? Mas dá até proveito: pra de beber, que depender dele bebe só se for a própria saliva. E quem disse que gosta? Assim será, problema dele. Que bebam até pronto. Depois seguimos. Daí ele bate o pé, balança os braços, pega em bastão, bem querendo dar nos boizucos... ou em mim, brigão como é. Ele invente, vai que me invoco e solto os bichos, vão tudo atrás dele, são meus amigos. Besteirada. Fico a toa, andando por aí, e ele bufando. Tem umas arvrinhas por aqui, baixas. Boas ainda não, só em outubro, mas folhas de sombra, bom pra descansar. E a gente já andava há umas horas, né? Adianta perguntar o que tem de carregar? Agora que ele tá brabo? Capaz é de me jogar do barranco. Tentei até subir o pano, que ele pôs pregos!, mas deu com a vara na tába e quase que amassa minha mão junto. Nojento! E tava podre, viu... O jeito era se aquietar, e a boiama gostando da água salobra. Ai que alguém fala comigo... Bicho nenhum era, nem passarinho. Muito menos Maquinzo. Vinha dos panos? Hé! Só sendo mesmo. O eslupe, o vuxe e o sum. Tudo tranquilo bonito. Só não o futum. E eu vi melhor o carro, todo amadeirado, das antigas, mas bomzinho. Uma roda era de borracha, rrancada de carro, outra era também de madeira. E dizem que o artefato é mais antigo do que eu. Acredito, elogio meu. O pano é pregado, nem adianta, só se der na cara. Tem um buraquinho, ó lá... Um só, perdido. Sei nem se abriu-se no meio do caminho. E dá pra se ver bem, se cuidadoso: que tem lá? Nossa Senhora... tem um olho?!