As Luvas
Era um homem esquisito, bastante vigoroso, de seus cinquenta e tantos anos. De aparência nem um pouco amistosa, penetrava o olhar dos investigadores como se quisesse fazer consigo o que costumava fazer com suas vítimas. Era até temoroso enfrentá-lo. Tinha um ar de pessoa violenta, agressiva. Não era nada agradável dividir uma saleta tão pequena com um sujeito mal encarado daquele tipo.
– Muito bem, Alceu – disse um dos investigadores, com as nádegas postas sobre a mesa amadeirada que era uma das poucas mobílias daquela saleta. – O que aconteceu naquela noite?
– Prefiro não dizer – redarguiu o outro, completamente inacessível, com aquele olhar suspeito a fitar de cima a baixo os dois outros homens.
Estava vestido com calças jeans e uma jaqueta de couro preta que revelavam o sério problema que tinha com caspas. Usava uma bota pesada, também de couro e preta, sem os cadarços. Sob os braços cruzados e sua expressão despreocupada, revelavam-se suas mãos e, nessas, luvas para academia – que deixavam livres os seus longos e gordos dedos.
A cidade ficara abalada quando descobrira uma dezena de corpos de vítimas, jogadas em frente às suas casas, sem sinais de violação ou quaisquer coisas do tipo, porém com sinais de uma crueldade inumana. Eram todas elas espostejadas ainda vivas, a verem seus órgãos a sair de si dentro de um carro parado em frente de casa, completamente impotentes em pedir ajuda e, quando o crime era finalmente concluído, Alceu jogava seus passageiros em frente a suas casas, em pedaços, por prazer.
– Como você explica essa sua crueldade para com as pessoas? – perguntou o outro investigador. – De que forma, com o carro ainda em movimento, você conseguia matar e esquartejar suas vítimas?
– Ele deve ter algum comparsa – murmurou o outro, porém de forma audível.
A escutar a última frase, Alceu coçou-se incomodado com aquela dúvida. Parecia que não aceitava realizar aqueles crimes – de características violentas tão escandalosas – com a ajuda de quem quer que fosse.
Irritado com o silêncio, o homem que estava sentado à mesa levantou-se num átimo.
– Você vai cooperar ou não? – disse ele, em tom imperativo.
– O que vocês querem saber? – replicou, impaciente, o Alceu.
– Como você matava as vítimas?
– Primeiro, eu as estrangulava – disse ele, cheio de reticências, a sorrir.
– E como segurava o volante do carro? – perguntou o primeiro investigador.
– Segredo – disse ele, a dar um leve riso debochado.
– E depois? – perguntou o outro investigador, curioso.
– Depois que as percebia sem vida, punha minhas luvas e começava a fazer meus cortes…
– E você virou motorista com esse objetivo?
Alceu assentiu. Ali sua figura desumana acentuou-se. Demonstrou ser, agora sem a máscara, o monstro que presumiam os dois investigadores. Aquele homem despudorado e vil matava por prazer. Como se o fizesse por ofício. Ali parara quando fora surpreendido por policiais que viram uma mulher aparentemente desacordada em seu banco de passageiro. Fora conduzido para fora do veículo, com as luvas nas mãos e estas postas à cabeça, e a mulher, já morta, levada para um IML. Detrás da proteção para bancos, descobriram os policiais as manchas de sangue dos crimes anteriores e começaram a fazer correlações com as histórias vinculadas pelos periódicos. Era ele: o motorista assassino a quem todos estavam procurando.
***
Contudo, enquanto os investigadores decidiam se far-lhe-iam mais perguntas ou coletavam aquelas gravações como provas contundentes do criminoso, Alceu levantou-se e de dentro de sua luva tirou uma navalha – sem que os policiais percebessem.
Dentro daquela saleta cometera Alceu seu último crime: um duplo homicídio, com características de espostejamento e fugira sem deixar rastro – com as vestes de um dos policiais.