Nona noturna (microconto).
Tinha chegado o dia, só esperava a hora. Sentado no banco, atentava-se ao corredor escuro, aguardando ansiosamente a luz do metrô e o tremer do ambiente. Ontem ele esteve no mesmo lugar, ante-ontem também, e nos outros dias anteriores; quase todos. Guardou cada rosto, cada passo, cada horário. A primeira parada do dia era à meia-noite e dez, depois mais duas paradas antes da alvorada - essa última, pelo que notara esse tempo todo, geralmente só recebia um (às vezes nenhum) passageiro e de dentro saíam uns, no máximo, três. A estação ficava deserta. Novamente: era o dia, o grande. O final. A quem se interessar por sua assídua frequência nesse lugar, em tal estranhos horários: alguma parte de sua mente se convencera de que fazia isso numa espécie de caçada. Buscava a salvação? Um rostinho que lhe transmitisse algo. Não aconteceu. Pelo contrário: o nojo pelos outros só aumentou. O dia, esse mesmo, veio antes. Já sentia o costumeiro fremir, o chão sacolejava levemente: vinha. Fechou os olhos por uns instantes: era o adeus? Parecia desconectado. Quando voltou ao mundo, lá estava uma alminha. Uma mulher, ainda jovem, de pelo menos uns trinta anos. Sozinha. Tinha uma bolsa simples, marrom. A calça preta, um casaco de couro, não muito chamativo, e, por dentro, uma blusa branca; os cabelos eram castanhados, pegando um pouquinho só além da nuca. O rosto. Ah, chegava. O que ele encontrou? A salvação? Sua mente também tremia, parecia ter conseguido sua caçada. Já se podia ver a luz chegando, ele não iria parar? Correu para alcançar. Agarrou o braço da mulher, e a arrastou.