Número desconhecido
Cheguei à capela onde me disseram que o corpo de Marlene estava sendo velado, e reconheci imediatamente alguns dos parentes e amigos que ali estavam ao redor do caixão, conversando em voz baixa. Pareceram surpresos em me ver.
- Não achamos que fosse vir - declarou Kiara, a irmã de Marlene.
- Pedi uma licença no trabalho assim que soube do ocorrido - redargui. - Já que não pude estar ao lado dela em seus últimos dias, quero pelo menos poder me despedir.
- Muito gentil da sua parte - disse Kiara. - Quer um café, um sanduíche?
- Não, tomei o café da manhã no hotel - agradeci. E virando-me para o grupo ao redor do caixão sobre cavaletes:
- Posso dar uma última olhada nela?
Kiara segurou o meu braço, me mantendo ao lado dela.
- Melhor não. Temos que manter o caixão fechado... questões sanitárias, você sabe.
- Não sabia que ela havia morrido de algo contagioso - admiti. - Achei que fosse leucemia.
- Era leucemia - Kiara soltou meu braço. - Mas como estava com o sistema imunológico deprimido, acabou contraindo uma doença infecciosa.
- Que coisa horrível - murmurei aturdido. - Bom, sim, acho que agora vou aceitar aquele café que ofereceu.
Meia hora depois, sem que o caixão fosse aberto, o cortejo fúnebre se dirigiu para o jazigo da família de Marlene no cemitério.
* * *
Uma semana depois, já de volta ao trabalho, recebi uma visita da polícia.
- O senhor esteve presente ao velório de Marlene Genovese? - Indagou o policial em roupas civis.
- Sim, sou amigo da família. Aconteceu alguma coisa com o corpo?
O policial fez um gesto negativo com a cabeça.
- Não aconteceu nada com o corpo porque não havia corpo.
- Como assim? - Questionei incrédulo.
- Viu o caixão aberto em algum momento?
- Não, na verdade esteve fechado o tempo todo - admiti.
- Marlene Genovese deu um desfalque de milhões na firma onde trabalhava, - explicou o policial - e suspeitamos que tenha forjado a própria morte com a ajuda dos parentes mais próximos. Estamos interrogando todo mundo que foi ao velório, saber se alguém pode nos dar alguma informação extra.
Eu, que havia chegado quase na hora do sepultamento, era a última pessoa de quem eles poderiam obter informações, repliquei.
- Tudo bem. Mas, se souber de alguma coisa, entre em contato conosco - solicitou o policial, deixando seu cartão de visitas.
Naquela mesma noite, alguém ligou para a minha casa e ficou em silêncio quando atendi, desligando segundos depois. Posso não ter certeza de quem era, mas algo me diz que Marlene queria ouvir a minha voz pela última vez.
- [23-04-2023]