O Saci do Osório Borges
E foi lá pelas tantas, que não me recordo mais... lá na Província de Cárpoles, ao Norte do Estado do Paraná, no sítio do Zeca Diogo, um lugar onde a gente aprendia que as coisas simples são as melhores da vida:
Andar a cavalo, nadar na represa, pescar no açude, apartar as vacas, comer ervas da horta com arroz “papa”, nadar no ribeirão cheio de manilhas e pegar os “papa-terras”, aqueles peixinhos que davam aos montes na tal piracema e hoje nem se vê mais. Que coisa boa!
Pois então, foi numa noite dessas por lá, quando se ouvia apenas o coaxar dos sapos, o cricrilar dos grilos e via-se vagalumes, que o Benedito levantou assustado com os gritos do “Tião” Leite:
“Ei, corre aqui! Corre aqui! Chame o Luiz, Benedito”!
E o Luiz se levantou assustado, perguntando “que diabos” estavam acontecendo aquelas horas da madrugada.
Foi quando o “Tião” Leite com os olhos arregalados disparou:
“Lá no Osório Borges, acharam um saci Pererê!”
E o Luiz, meio indiferente disse:
“Vai dormir “Tião”, “cê” bebeu hoje?”.
Mas o olhar do “Tião” transmitia uma seriedade cabulosa e o Benedito disse:
“Eu acho que tem alguma coisa Luiz, vamos lá ver!”.
O Roberto e o Chico que eram os outros irmãos mais novos, ouviram aquilo, arregalaram os olhos, ficaram preocupados mais o sono foi mais forte e eles desmaiaram de novo.
Lá no sítio do Osório Borges havia uma multidão.
Parecia que era um velório ou coisa do tipo.
Quem passasse lá da estrada certamente diria: “que Deus acolha o falecido”. Ou a falecida né?!
Mas não era nada disso, o “Saci” do Osório Borges havia mobilizado a vizinhança.
E, quando o Tião chegou, com o Benedito e o Luiz, havia uma fila; uma fila “indiana”.
O povo estava ordenado um a um para se achegar à estranha criatura.
O Tião com o Benedito e o Luiz não perderam tempo e entraram na fila.
Seria a curiosidade, já que o Luiz havia duvidado do Tião? Ou será que eles queriam “pagar” para ver.
Saci? Mas que “porcaria” é essa?! A gente só ouvia falar disso quando criança, quando os pais ou os avós contavam sobre isso pra gente se comportar ou pra fazer a gente dormir, ou nas obras do Lobato, mas enfim, tudo era possível lá na Província de Cárpoles.
Se bem que o Benedito e o Luiz, já tinham ouvido algumas vezes um assoviar estranho, um grunhido diferente de tudo. Mas, “Saci Pererê?” Será?!
Não seria outra coisa? Quem sabe, o próprio “capiroto?”.
Bom, não dá para abusar também né, vai que ele existia e estava ali naquele momento.
Na dúvida, ou mesmo na curiosidade, melhor entrar na fila.
Eles perguntavam na fila, enquanto não chegava a hora de ver aquela coisa e quem teria capturado o “negrinho tinhoso”.
Foi quando o “Zé Campeiro” um índio velho dos bons que também tinha um sítio por ali, manejou mais um gole, daquela pura de alambique, lá da venda do “João Vito” e disse:
“Eu escutei um assoviar estridente aqui no sítio do “cumpadi” Osório que tinia os ouvidos. Então, meio cabreiro eu levantei, acendi meu farolete e vim até aqui e persegui aquela sombra escura. Eram duas sombras, uma maior e outra menor, foi quando a sombra maior desapareceu e a menor, eu acho que não conseguiu fugir. Ele se enroscou nos galhos da laranjeira e então eu lacei o bicho, chamei o “cumpadi” Osório e tá aí. Olhem lá para vocês verem”.
E então, chegou a vez dos três homens.
O Benedito quase abraçou o “Tião” Leite e derrubou o Luiz de costas.
O “Tião” soltou um sorriso duvidoso que não dava para definir se era de deboche ou de pavor e por fim o Luiz levou a mão na boca e soltou um: “Meu Santo Cristo!”
Era uma garrafa! Uma garrafa antiga de vinho Moscatel, aquela dos anos cinquenta, que tinha um formato cilíndrico, mas com um desvio tipo “corpo violão”.
Uma garrafa do gênio, mas era transparente e dava pra ver nitidamente.
Lá, dentro daquela garrafa, havia um tipo de feto escuro, de aparência negra mesmo! Uma pequena cabeça, com o minúsculo corpo encolhido no interior do frasco.
E o pior, aquele feto, ou miniatura de alguma criatura estranha não tinha uma das pernas. Então, pronto: Era o saci! Ou como diriam alguns dos presentes naquela inesquecível madrugada: “Era um filhote de saci”.
Vai daí eu até acreditar no saci é uma hipótese, mas que o bicho fica produzindo filhotes por aí é algo um pouco estranho né...
Mas, não se pode duvidar disso. Afinal, na Província de Cárpoles, todos os causos e lendas urbanas aconteceram de fato. Bom, pelo menos os antigos asseguram com veemência até os dias de hoje.
E foi assim que aconteceu. Alastrou-se por aquelas bandas, a história do saci do Osório Borges.
O “negrinho tinhoso”, ou talvez seu filhote, estava capturado na garrafa para quem quisesse ver e o “Zé Campeiro” se orgulhava de ter sido o autor da captura do “Pererê saltitante”.
Nem velório, nem quermesse, nem novena reuniram tantos curiosos assim.
Foram dias e dias de visita à garrafa misteriosa e todo santo dia havia alguma alma curiosa para ver aquele estranho feto negro sem uma perna encolhido na garrafa.
Muitos deles afirmavam com convicção que era o “Saci do Osório Borges”.
O Osório Borges até pensou em cobrar um “ingressinho” para visitação do “parente do capeta” que estava preso àquela garrafa, mas depois ele desistiu porque quebraria um pouco do encanto.
E foi assim que o tempo passou, até que um dia, o Osório Borges foi até os fundos da tulha onde havia guardado a garrafa presa a um outro vidro grande, que tinha um cadeado, mas a surpresa tomou conta do homem. O tinhoso havia desparecido da garrafa. E o pior, o vidro grande e a garrafa estavam intactos.
E depois que o Osório contou isso, muitos moradores relataram uns assovios estranhos e peculiares próximos à residência do Osório Borges. Cavalos com as crinas cheias de nós, barulhos de tijoladas nas portas, casais brigando e homens que apareciam cortados e sangrando sem explicação, além de um cachimbo com fumo queimado que as vezes aparecia jogado por lá.
Ninguém tinha dúvidas... era obra dele: “O Saci do Osório Borges”.