MINHA ALMA PAROU SOBRE MIM

Texto Fael Velloso

 

Eu sempre orei. Fui criado em uma família católica, então, desde que me peguei entendendo o conceito de Deus, fé, ação e reação, eu sempre orei, principalmente antes de dormir. Era uma criança fiel. Religiosa. E posso afirmar que não, meus pais não me obrigavam a ser assim. Eu só sentia que eu devia ser. Então, eu sempre orei.

 

Meus pais se foram cedo, e mesmo assim, entendi que seria o plano de Deus todo poderoso, que sempre sabe das coisas. Assim, aos doze anos, fui morar com meus avós, também católicos, em uma fazenda em Passos, interior de Minas Gerais. Lá, a vida era diferente, desacelerada, pacífica até demais, para quem morava em um apartamento de frente para a Avenida Presidente Vargas, na altura da Central do Brasil, no Rio de Janeiro. E foi lá na fazenda, que minha fé se pôs em cheque, mas só se fortaleceu.

 

Era noite de maio, sete anos após eu  ir morar na fazenda. O calor estava forte, e o outono estava sem forças.  Naquele dia, eu tive um sonho estranho. Tinha dezenove anos nessa época, e até então meus pesadelos se resumiam em demônios me seguindo, ou meus pais morrendo de novo, e de novo e de novo. Mas nesta noite, o sonho foi real. Eu sentia meu corpo leve, imóvel, mas leve, como se flutuasse. Sentia o vento, mas não sentia minha carne. Ao longe, vozes robóticas sussurravam para mim algo que eu não entendia. Vozes longínquas, estranhas, indecifráveis e irreconhecíveis.

 

Naquela noite. Eu quis me mover, mas não conseguia. Sentia meu corpo subir, mas com um peso sobre meu estômago, como se tivesse algo o pressionando, mas sobre a barriga... algo invisível. Eu tentava me debater, gritar, me sentia acordado, mas nada acontecia.

 

Então tudo ficou escuro. Sem som. E eu acordei no chão, mijado, e com um corte no umbigo, devido à queda. Foi a primeira vez. A primeira vez de uma série de sonhos assim. Sonhos que eu fui buscar os significados, mas que se tratava de uma tal Paralisia do Sono. Um descompasso no mecanismo do cérebro que confundia o corpo. Mas aquela sensação de sair. De estar voando sobre mim, era muito real. E eu sei que o cérebro pode criar ilusões incontestáveis, mas aquela sensação...

 

Associavam a demônios noturnos. Demônios estes que se aproveitavam do próprio cérebro. Isso porque as alucinações se dão no contexto dos sonhos da fase REM... Quando estamos praticamente em “coma” no sono.

Então, depois de uns dias sem sonhar assim, dormindo cedo, tentando manter minha mente sã ao longo do dia. Eu tive outro sonho. Agora, vi luzes. Além de estar voando sobre mim, eu também via luzes, sombras, e as vozes voltavam como se passassem perto de mim, e depois se afastassem. A respiração era escassa. Eu podia ver a fazenda de meus avós. Podia ver tudo... mas não conseguia gritar, não conseguia mover um músculo. Uma sensação que num desejo nem ao meu pior inimigo.

 

Então um dia, eu acordei. Eu acordei e pude ver meu corpo subir. De fato subia. E subia...  Passei por nuvens, e dentro do que parecia ser um raio de luz. A sensação era tão real, que acho que meu cérebro percebeu que havia algo de errado. E havia. Eu flutuava. Indo direto para um disco. Um prato, iluminado, prateado... direto... eu fui colocado em uma mesa gelada. E dormi.

 

Fazem anos. Só hoje lembrei de tudo. Hoje, quando eu depois dessa última vez, eu nunca mais tive esses pesadelos ou sensações. Hoje, depois de vinte anos, eu tive novamente. Na cidade, longe do campo. E estou com medo de que seja quem forem, voltaram para terminar o que começaram comigo.

 

 

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 22/03/2023
Código do texto: T7746526
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2023. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.