DESESPERO NA CIDADE SANTA.
-"Tá faltando o Tião!"Gritou o Olegário, na frente do ônibus. -"Gente, combinado não sai caro. Temos que sair às treze horas." Disse o motorista Carlão. Gertrudes, a chefe da romaria a Aparecida, se levantou. -"Contei quarenta e três pessoas. Quem está no ônibus, levanta a mão." Um a um, foram erguendo as mãos e dizendo presente. -"Viu? Não bate. Tá faltando um e é o Tião." Algumas crianças desceram do ônibus e cercaram o sorveteria. -"Tião tá com a camisa do Corinthians." Lembrou o Ananias. Um calor infernal, melhor dizer anormal visto que o conto se passa em Aparecida, cidade da basílica nacional da padroeira do Brasil. O estacionamento lotado. Uma muvuca de romeiros na praça de alimentação. Na igreja, nem se fala, um mar de gente. As missas, os padres. O centro de eventos. As lojinhas. As músicas religiosas. A passarela. O cruzeiro. As pinturas belíssimas. O clima de oração. O rio Paraíba. A igreja imponente. -"Vou pedir para anunciarem no sistema de som da basílica." Disse Gertrudes, saindo do ônibus com suas primas, Eliza e Zulmira. Olegário, com uma latinha de cerveja na mão, saiu com seu irmão, Henrique. -"A última vez que o vimos, Tião estava no banheiro, aqui do lado do parque de diversões." Os dois rumaram para o local. Meio dia e quarenta. Salete e Das Dores desceram do ônibus. -"Está muito quente lá dentro. Não dá. Gente mais incompetente, não respeita horário." Esbravejou Salete, ministra da eucaristia da paróquia de Santana, em Bocaina, São Paulo. -"Isso que dá vender passagem pra quem não é da igreja. Veio pra encher a cara e não pra rezar. Certeza que está se divertindo enquanto torramos nesse sol." Disse o padre Anézio, até então calado. -"Gente, se cada um for procurar o Tião, vamos sair daqui a noite." Concluiu o sacerdote, se refrescando com uma garrafinha de água mineral. Quitéria e Lourdes decidiram ir ao banheiro, a duzentos metros dali. Janete lembrou que não tinha comprado uma imagem da santa e foi em direção a feira. -"Tião comentou que ia subir o morro do cruzeiro. Deve estar lá." Disse Donizete, primo do rapaz desaparecido. E lá foram o Donizete, o padre Anézio e o Floriano para o morro do cruzeiro. Valquíria e Dinorá foram procurar o Tião na basílica, munidas de um megafone. Uma e meia da tarde. -"Pessoal, o que mais tem aqui em Aparecida é gente desaparecida. Tião deve ter perdido o local onde o ônibus estava parado. Quando o estacionamento está vazio, de madrugada, parece fácil achar o ônibus mas assim que enche, fica difícil." Lucas concordou com Pedro. -"Já me perdi aqui. É assim mesmo. É muita gente." Gertrudes retornou. -"Já anunciaram nós alto falantes. Comuniquei a polícia militar." Anunciou a chefe da romaria. -"No outro ônibus da paróquia não tá. Lá está tudo certo, não falta ninguém." Disse Gabriel, filho de Gertrudes. -"Oh, Nossa Senhora Aparecida, coloca o Tião no caminho do nosso ônibus." Orou dona Francisquinha, líder do apostolado da oração. Pai Nosso, ave Maria e Salve Rainha. As orações. Duas e vinte. O padre e os dois colegas voltaram do cruzeiro sem novidades. -"Tião não tá no morro. Estamos mortos." Disse Floriano, suando bicas. Olegário e Henrique chegaram ao ônibus. -"A gente tá mais bêbado que o Tião e achamos o ônibus. Onde está esse homem?!" Janete retornou e mostrava a todos a imagem da padroeira. -"Está trinta reais na loja em frente a pastelaria." O padre se interessou. -"Vou lá. Encontrei imagens pelo dobro do preço, não tão belas como essa." Dona Francisquinha também quis uma imagem. -"Traga uma pra mim, padre. Aqui está o dinheiro." Outras três pessoas seguiram o padre até a loja. O tempo passando. O motorista do outro ônibus impaciente. -"Gente, vamos sair sem vocês." O outro ônibus partiu, deixando o ônibus de Gertrudes pra trás. Valquíria e Dinorá retornaram, cansadas em procurar Tião. -"Andamos pela basílica toda. O Tião sumiu." O padre feliz, voltou com sua imagem da padroeira. Três da tarde. Gertrudes contou os passageiros. -"Tá faltando um. É o Tião. Não tava no outro ônibus, não tá aqui." Ela se desesperou e começou a chorar. A chuva começou. Dona Carmem passando mal com o calor. O motorista preocupado. -"Será que sequestraram o Tião?" Dona Francisquinha já pensava no pior. A chuva parou e muitos saíram do ônibus. Lucas decidiu vistoriar o ônibus. Atrás dos últimos bancos, alguém dormia o sono dos justos. Sono pesado. Lá estava o Tião, encolhido e alheio a tudo. -"Gente. O Tião está aqui, no fundo. Estava aqui o tempo todo." O padre se enfureceu e quis ver com os próprios olhos. -"Que filho da mãe! Dormindo bem tranquilo." Olegário deu um chute no pé do dorminhoco, que nem assim acordou. -"É um folgado mesmo." O motorista ligou o ônibus. -"Vamos pra casa, turma." O padre puxou a oração, assim que o ônibus entrou na rodovia. -"Deus protege as crianças, os bebuns e os loucos. Tião tava lá, dormindo enquanto todos estavam preocupados." Gertrudes concordou e riu. FIM