O Inferno de Midas

Eu estava enclausurada dentro daquelas grossas e terríveis paredes de concreto que pareciam proteger dentro de si toda a dor, o sofrimento e a tristeza do Homem. A respiração saía forte e a atmosfera daquele calabouço transpirava um horror que talvez só se poderia ter acesso na leitura dos clássicos – e quem poderia ousar desafiar a criação de Shelley daquela maneira?

Não nego que o aspecto monstruoso do ambiente pode ter sido fruto de um delírio. No entanto, dentro daquelas assombrosas paredes, de fato, não estão escondidos mistérios e evidências das maiores perversidades humanas? Aqueles calabouços sombrios, frios e sórdidos não são justamente aqueles nos quais grandes malfeitores da humanidade resguardam os seus segredos mais sigilosos?

Tenho certeza que o é.

Presa à cadeira de tortura, eu podia sentir o silêncio que se estendia por uma eternidade. Não haviam mais gritos e gemidos, tampouco choro de desespero. Os pobres prisioneiros torturados – eu inclusa – pareciam ter aceitado a sua terrível e trágico destino. De onde estava, podia ver inúmeros torturadores indo e voltando. Dilaceravam sonhos e ceifavam a vida de tantos sem que o choro, a agonia e os inúmeros gritos de misericórdia pudessem fazer qualquer efeito em suas ações. Dilaceravam sonhos e ceifavam a vida de tantos sem que todo aquele sofrimento fosse incapaz de alterar as suas feições de total apatia.

Já se fazia tanto tempo que eu aguardava silenciosamente naquela cadeira, que já perdera a noção natural do tempo. Não via um raio de sol dentro daquele cárcere sombrio. Não via um raio de felicidade dentro daquele cárcere sombrio. Não por acaso, podia ver, no rosto dos demais prisioneiros, uma máscara terrivelmente fúnebre. Todos aguardando o seu chamado. Todos aguardando por sua sepultura, sua tortura última – ou seria a Salvação?

Oras, enrolem-me em uma mortalha e me joguem logo ao mar! Deixassem que as águas salgadas e negras do oceano invadissem o meu peito e ali fizessem sua fatídica morada! Que tirassem de mim todo o eterno sopro de vida que passeava lenta e pesadamente pelos meus pulmões.

Mas não! Eles pareciam se divertir com minha tortura, com meu sofrimento. Os olhares diabólicos dos guardas, o terrível e lento passar do tempo, as dores na carne e no peito ocasionadas por aquele ambiente, pareciam tirar de meus torturadores o seu melhor gozo.

Deleitavam-se com a dor alheia. Ou melhor: o calabouço se deleitava. Não, não pensem que aquelas paredes não podiam me ver. Haviam olhos, olhos em toda parte! E todos eles apontavam para mim, olhavam para mim. O calabouço era vivo. Era uma criatura viva, um monstro. Fora criado pelo Homem, mas o Homem não podia mais controla-lo.

Como um demônio, o Calabouço sugava e destruía toda a felicidade e todo sentimento positivo que, de alguma maneira, ainda se conservava no coração de seus prisioneiros. Sugava e destruía toda a humanidade e compaixão que, de alguma maneira, ainda se conservava no coração de seus torturadores.

O sino tocou. Foi com uma dor forte no peito que ouvi aquele som agudo. Aquele som agudo que ecoava por todo aquele ambiente sombrio e chegava aos meus ouvidos como quem diz “é a sua vez”.

Em uma marcha fúnebre fui conduzida à Tortura Final por um longo corredor. E que longo corredor! Parecia se estirar por uma milha, talvez até o infinito! Seria exagero dizer que seria ali o corredor da morte? Meu sofrimento finalmente cessaria?

E após atravessar aquele corredor que muito me pareceu durar uma eternidade, estava diante de uma enorme e elegante porta. Seria ali, a moradia do diabo? Ao entrar, a atmosfera não fora alterada. Cada passo era um peso a mais que se prendia aos meus grilhões. Cada movimento, um aperto diferente e cada vez mais forte em meu peito.

A porta dava acesso à um enorme e elegante salão. Ao final, uma enorme e impotente mesa se estirava e, sobre ela, descansavam um milhar de papéis e documentos. Seriam eles os contratos que as pobres almas acordavam com o próprio diabo?

Sentado à mesa, ele me aguardava pacientemente. Era um senhor de idade, cujos cabelos mais se pareciam com uma rala penugem branca. O rosto pálido era cadavérico, quase como o de um morto-vivo e o seu olhar apático parecia já ter presenciado todos os grandes eventos humanos. Para aqueles olhos malditos, nada mais poderia ser uma surpresa.

Em que pese o aspecto geral de defunto, suas vestimentas lhe davam uma sofisticação e modernidade inesperadas para mim. Vestia-se com um costume cinza-grafite cujo perfeito caimento cobria magnificamente a camisa branca. A gravata, que possuía um tom mais escuro de azul, estirava-se lindamente por seu busto, ao passo que o relógio prateado adornava o pulso como um detalhe final.

Ele me observou calmamente até que finalmente sentei na cadeira. Estendeu a mão. Apertei. Deixou escapar um sorriso que demorei para saber se tinha a intenção de agradar ou de demonstrar o seu sadismo. O sorrio mais se parecia com o de um torturador prestes a desferir o mais mortal dos golpes em sua vítima.

“Bom dia, Srta. Moreira”, disse puxando uma pasta com alguns contratos em branco, os quais certamente haviam sido especialmente confeccionados para mim. De um de seus bolsos retirou uma linda caneta escura com detalhes dourados – a sua arma mais fatal. E, ainda que desejasse transparecer a imagem de agradável e cordial, seu aspecto fúnebre, apático e cadavérico em nada se alterou.

“Já tivemos a oportunidade de discutir a possibilidade de renegociação de sua dívida”, prosseguiu, “analisamos o seu histórico de pagamentos, bem como a própria relação com a instituição e acreditamos que é possível realizarmos um bom refinanciamento do seu imóvel. Por isso, já enviamos à sua residência um demonstrativo das possibilidades de refinanciamento. Acredito que a senhora já conseguiu dar uma olhada prévia, estou certo?”.

“Sim”, respondi ao gerente com uma grande tristeza no peito.

Eduardo Fonseca
Enviado por Eduardo Fonseca em 01/01/2023
Código do texto: T7684397
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