O fugitivo.
O FUGITIVO
Pedro Ronca é um temido fugitivo que repele as leis e a ordem. Durante sua última fuga chega próximo de um lindo lago. Permanece escondido entre as folhagens da vegetação, depois de muito correr, sentando-se para descansar.
Cenira tem apenas cinco anos e, diariamente, com seus cabelos cacheados e olhos negros, típicos de nossos mulatos, com a pele bastante morena, contrasta com a suavidade e reflexos da superfície azulada do lago, onde viajam as sombras de muitos pássaros. Também, por sua rebeldia em ser criança, inocente, doce e alegre, desfruta de toda a liberdade como aquela que só os poetas alcançam, quando são capazes de entregarem a natureza e à vontade divina seus rumos e sentimentos, contrasta com a tranqüilidade do ambiente.
Pedro Ronca está pensativo, tem que continuar sua fuga tão logo se recupere do cansaço porque, em breve, os homens da lei estarão em seus calcanhares. A menina poderá ser-lhe muito útil, usando-a como escudo contra os policiais, caso seja alcançado.
Inocentemente, Cenira corre atrás de borboletas coloridas, iluminadas pelos prazerosos raios solares da manhã e, casualmente, acaba se aproximando do fugitivo. Surpreendida deixa um ar de espanto brindar-lhe a meiga face. Em seguida, tomada pela inocência e curiosidade infantil, aproxima-se e pergunta-lhe: Quem é você? O que faz aí?
Embaraçado pela simplicidade da pergunta ele tenta amenizar o constrangimento. Inventa que é um “poeta” e que está “viajando pela natureza” com a finalidade de encontrar motivos e coisas muito bonitas como “ela” para escrever no seu próximo livro.
Cenira afasta-se vagarosamente e retoma a sua correria atrás das borboletas até se cansar. Senta-se sobre uma pedra, pega com sua mão esquerda uma linda flor vermelha, enquanto que com a direita retira o suor do seu rosto e desembaraça seus cachos.
Pedro Ronca já pode escutar a movimentação dos policiais que estão em sua perseguição e começa a observar com maior atenção o comportamento da menina, a meta de sua fuga. Inexplicavelmente, escuta seu subconsciente a dizer-lhe:
”Olhe a beleza da cena
Que agora tu podes ver!
E entendas na outra quadra
Como poderás viver”
”Mais bonito que a criança
Segurando à mão a flor!
Só se Deus, sentar-te ao lado
Falando coisas de amor”.
Pela primeira vez em sua vida ele sente-se inseguro e deixa que a dúvida consuma grande parte do seu tempo, tempo suficiente para que os policiais o avistem. Sai correndo detrás das folhagens e ante a voz de prisão, pega a menina no colo. Diante do fato, os policiais recuam e guardam suas armas. O momento é muito tenso.
- Cenira pergunta para o fugitivo porque os guardas querem pegá-lo se você é “poeta” e está apenas “viajando pela natureza”?
- Depois de pegar a flor da mão da menina, ele diz: Está vendo o vermelho e a beleza dessa flor?
- Estou!
- Pois é, muitas pessoas nem se importam com elas enquanto que outras, nunca poderão vê-las, por serem cegas.
- Mas eu também não posso ver tudo e não sou cega! Não consigo ver as coisas muito pequenas e nem as que estão muito longe.
- É assim mesmo. Quando tinha a sua idade, não corria atrás de borboletas coloridas na beira de um lindo lago azul e tranqüilo. Corria sim, atrás de moedas nos sinaleiros da cidade, entregando-as todinhas para que meu pai comprasse cachaça e depois me batesse dizendo que queria mais.
- A menina interrompe e pergunta, como é o seu nome?
- Pedro Ronca, e o seu, menina?
- O meu é Cenira. Olha aqui, seu Pedro, você acha que pode viver fugindo a vida inteira? Porque não explica para os soldados o que você é e o que está fazendo? Assim eles vão parar de persegui-lo!
- É mesmo, acho que você tem razão! Tome, segure sua linda flor, vou conversar com eles. Aproximou-se dos policiais e, sem que Cenira percebesse, depois de piscar um dos olhos, disse-lhes: “Olha aqui soldados, eu sou um “poeta” e estou “viajando pela natureza” para escrever meu livro. Portanto espero que vocês deixem de me perseguir, certo? “. - Um dos soldados abraçou Pedro Ronca e falou: Porque o senhor não nos disse logo?
- Cenira olhou para o fugitivo e disse-lhe: Viu Pedro, agora estás livre para escrever o que quiser e ir para onde e quando desejar.
- Pedro Ronca deixou a menina no chão e beijou a sua face, em seguida despediu-se e saiu, entre lágrimas, abraçado pelo soldado, até quando Cenira não mais pudesse vê-los.
Nesse instante acordei de um breve cochilo, com os cotovelos muito doídos por estarem apoiados sobre a mesa, onde costumeiramente escrevo, e tendo a cabeça entre as mãos. Então me dei conta de que, a bem da verdade, estava voltando de mais uma das minhas “viagens poético-literárias”.