A sombra na mata - O corpo
Paulo acordou naquela manhã de terça-feira como em qualquer outra, com total indisposição em ir ao trabalho. Após lutar bravamente para se levantar da cama, dirigiu-se a cozinha, já arrumado para ir ao serviço só lhe faltando o café da manhã e embora fosse cedo ouvia vozes de alguém conversando com sua mãe na cozinha.
- Foi isso que aqueles dois disseram hoje de manhã quando passaram com a carroça de leite – Dizia a tia de Paulo, Maria a maior Fifi que aquela pequena cidadezinha tinha, e só podia ser ela mesma para estar ali à essa hora.
-Lobisomem, Maria? Pelo amor de Deus, o que deve ter corrido atrás do garoto deve ter sido uma onça – Respondeu Marisa, mãe de Paulo, com um mal humor perceptível na voz.
-Bom dia! Então quem correu do lobisomem? – Paulo sentou-se na mesa sorrindo com aquela historia.
Sua mãe iria responder, mas sua tia com uma velocidade impressionante na língua disse:
- Seu amigo Jonas, ouviram gritos dele desesperado pelo caminho até a sua casa. Todos na fazenda acordaram, os empregados disseram que era um lobisomem até atiraram nele.
- Besteira. Jonas estava com a gente ontem, não bebeu para ver lobisomens ou assombração, com certeza deve ter sido uma onça ou outro animal grande, tipo um urso.
- Urso Paulo? Não tem ursos no Brasil – sua mãe ficou incrédula por Paulo dizer isso, embora coisas do tipo acontecessem frequentemente. – De qualquer forma o menino tem sorte de estar vivo, se essa onça pega ele acaba com o garoto.
- Beleza, mas ele tá bem né? – só agora entendia a que gravidade aquela situação poderia ter chegado.
- Está sim! – respondeu Maria rapidamente novamente - só pelo que contaram se assustou tanto que desmaiou e não acordou até agora, na minha opinião – ninguém queria saber, mas ela tinha para tudo – chamaria um medico para ver o garoto, mas não, estão mais preocupados com os cachorrinhos mortos. Disseram Maraisa, que eles foram destroçados, tiveram a barriga rasgadas e as tripas puxadas para fora.
- E depois dessa eu me despeço, antes que meu pai ligue – Levantou-se Paulo, abraçou sua mãe enquanto ela brava dizia.
- Ainda bem que você sabe! Vou ficar na igreja ajudando a preparar as coisas para festa junina, você e seu pai almocem lá pela mercearia mesmo.
Ele trabalhava na mercearia de seu pai nem a quinze minutos a pé de casa, essa que ficava no centro da cidade, que estava mais para um vilarejo. Com poucos habitantes, todos se conheciam e o centro era formado por uma praça grande com uma igreja no meio, os estabelecimentos comercias nas ruas que circundavam a praça e uma viatura policial ficava parada ali quase vinte quatros horas por dia. Um desses estabelecimentos era a mercearia do pai de Paulo, que lhe deu um sermão assim que chegou falando que estava atrasado e que ele deveria ser mais responsável.
O dia passou normalmente, com ele trabalhando no caixa e além de passar as compras de todos, debatera com a maioria sobre a coisa que correu atrás de Jonas na noite anterior. O assunto estava na boca de todos os moradores e por incrível que pareça a maioria achava ser um lobisomem, embora outros como o próprio irmão de Jonas que disse não ter visto a criatura direito e apenas correu quando o irmão passou gritando por ele, achava que deveria ser uma onça, e uma bem catinguenta.
Na hora de fechar, por volta das vinte horas. Como punição, o pai mandou que Paulo ficasse mais um pouco, limpasse a loja e conferisse o caixa, embora ele não fosse bom em conhecimentos gerais o garoto era muito bom com números e nem se importou muito. Contanto que ele ficasse sozinho na mercearia, ninguém estaria ali para atrapalhar e seria muito melhor. Não só fez o que o pai mandou, mas acabou entretido assistindo o jornal nacional e saiu da mercearia ao seu final.
A rua estava muito silenciosa por mais que fosse Junho e fizesse frio, Paulo pensou que a historia do lobisomem deixou as pessoas com medo e nem policias pareciam ser corajosos o bastante para encarar a fera, já que nem sua viatura se encontrava ali. Seguiu o caminho de casa.
Embora fosse tarde era comum Paulo encontrar algum conhecido pelo caminho, mas isso não aconteceu e sem fazer idéia do porque, sua mente começou a divagar pensando o que faria se encontrasse o lobisomem. Seguindo pelas ruas de paralelepípedo, as sombras começaram a assustá-lo.
Em um cruzamento já perto de sua casa, ouviu um barulho vindo da direita. Ele deveria seguir em frente, mas no final daquela rua havia um campinho de terra batida. Pensou que algum garoto ainda estaria ali batendo bola sozinho e se estivesse o mandaria para casa, até o levaria. Embora não acreditasse em lobisomens, nenhuma noite é feita para crianças ficarem sozinhas na rua. Ainda mais aquela.
Seguiu o caminho a sua direita e conforme se aproximava do campo, as casas iam diminuindo de quantidade e se tornando mais espaçadas ate que de longe conseguiu ver a viatura da policia e outro carro... O do prefeito da cidade, facilmente reconhecido por ser uma caminhonete importada e por ele desfilar mais com ela do que com sua esposa.
Algo fez com que Paulo quisesse saber o que eles estariam fazendo ali, provavelmente era o mesmo sangue que compartilhava com a sua tia algum antepassado fofoqueiro que os unia, imaginou que estariam vendo sobre a festa que ocorreria naquele final de semana. A festa junina da cidade era a única coisa que atraia pessoas para ela.
Foi se aproximando pela rua escura, os refletores do campo estavam apagados o que Paulo não notou, fazendo com que fosse difícil notá-lo subindo a rua pela calçada passando por baixo de arvores de Oitis.
- Carregue-o de qualquer jeito idiota! Ele já esta morto mesmo – ouviu a voz do prefeito para um dos policias.
- Fala baixo chefe a ultima casa é longe, mas provavelmente foi de lá que veio a ligação da ocorrência, qualquer barulho nessa noite silenciosa da para ser ouvido de longe. E ta difícil carregar ele sem deixar as tripas pelo chão.
Ao ouvir morto e principalmente, tripas, Paulo congelou. Olhava fixamente para onde os policiais estavam e embora não conseguisse discernir com precisão teve certeza que os policias carregavam um garoto e depositaram seu corpo no porta malas da viatura. Que foi batido com força por um policial enquanto o outro se dirigiu para a cabine da viatura e ligou os faróis iluminando a rua.