A Lenda de Thief Hunter

Muitas histórias são conhecidas pelo mundo. Muitas lendas urbanas sobre casos impressionantes e extraordinários. Assassinos impiedosos, criaturas estranhas, crimes perfeitos que parecem impossíveis. Todas elas são histórias que certamente nunca aconteceriam de verdade; ou aconteceriam?

Johnny era só mais um garoto normal de 19 anos que tinha acabado de conseguir independência e sair da casa dos pais, ele vivia normalmente, ia para a faculdade, morava em um apartamento, tinha poucos amigos, trabalhava como atendente de restaurante voltava e ia para seu trabalho de metrô todos os dias. Ele não fazia muita coisa além disso.

Isso mudou quando Johnny conheceu um jogo de tabuleiro chamado xadrez, ele já tinha ouvido falar do tal xadrez, mas achava que não era para ele. Ele não gostava muito de pensar, porém mudou de ideia quando um colega que estava no intervalo das aulas na lanchonete de sua faculdade apresentou o jogo com mais detalhes, o nome dele era Simon. Simon viu que Johnny estava um tanto quanto interessado na partida que ele disputava, então resolveu mostrar o movimento de cada peça, mostrou a posição inicial das peças, o valor, o nome, as regras; tudo para Johnny que se interessou muito pelo jogo, tudo aquilo parecia tão interessante para Johnny, foi paixão na mesma hora.

Depois de conhecer o xadrez os dias de Johnny ficaram mais interessantes, aquela rotina chata e monótona se desfez por completo, até porque as jogadas e posições do xadrez são infinitas. É um número ilimitado de combinações que são diferentes a cada vez que você joga, e isso era uma grande diferença em relação a sua vida que até então era um loop infinito frustrante e sem razão.

Johnny e Simon marcavam de se encontrar na cafeteria perto da faculdade todos os dias para jogar xadrez e aos poucos Johnny foi ficando melhor e melhor, chegava do trabalho e se afundava em casas e peças. Um dia Johnny venceu Simon e nunca mais perdeu, era mate atrás de mate.

Johnny era imbatível, derrotava todos na faculdade, ele era um “monstro” no xadrez, então Simon ao ver o grande desempenho de Johnny resolveu apresentar o xadrez online, já que até então seu amigo só jogava presencial. A parte ruim de jogar só de forma presencial é que, nem sempre todos estarão disponíveis e vão querer jogar, então praticar online ia ser muito melhor para Johnny, ainda mais porque ele poderia jogar onde quiser, então Simon ajudou Johnny a criar uma conta.

Eles testaram e estava tudo certo, o rating inicial de Johnny era 1500 enquanto o de Simon que já era veterano, 1230. Johnny ganhou muitas partidas e seu rating subiu, então ele começou a ir mais e mais fundo no mundo do xadrez, em uma semana seu rating foi de 1600 para 1700, de 1700 para 1730, e se estagnou ali.

De tempos em tempos o rating de Johnny subia e descia, ia para 1800 e depois voltava para 1700, ele não conseguia se manter em 1800 de jeito nenhum. Ele tentava mas não conseguia. Um dia, Johnny estressado por um trabalho da faculdade e também por causa de situações em seu emprego resolveu jogar xadrez para relaxar, mas o dia não estava muito bom para isso. Johnny perdeu todas as partidas. Perdeu tanto que voltou seu rating para 1200. Johnny perdeu tudo! Ele estava tão estressado que não podia deixar as coisas assim. Tentou de novo, mas perdeu. Foi dormir frustrado aquela noite.

Johnny não conseguia pensar uma maneira de recuperar todos aqueles pontos perdidos, pensou diversas formas mas não queria ter que ganhar tudo de novo, então, resolveu optar por meios mais fáceis, ao invés de jogar tudo de novo para recuperar, mas com a chance de perder, ele iria eliminar todas as chances de perder. Iria usar cheats. Ele já tinha ouvido falar de bots no xadrez mas nunca pensou em usar, mas agora seria necessário. Ele sentia necessidade de recuperar aqueles pontos perdidos, e é isso que ele fez; ganhou todas as partidas facilmente usando bot e voltou ao rating original.

Tudo estava normal? Tinha retornado ao seu estado original? Ele podia suspirar tranquilo e dormir normalmente? Jhonny notava um sentimento dúbio em seu âmago. Por um lado estava aliviado por ter tirado seu rating do abismo; mas, por outro lado vinha uma sensação ruim de que não havia conquistado nada. Deitou na cama e fechou os olhos. Teve um sonho estranho aquela noite... Ele sentiu o corpo inteiro doendo, sentiu a pele queimando, ouviu gritos e sentiu como se sua culpa arranhasse suas costas. Definitivamente não dormiu bem. Johnny acordou com o corpo pesado, estava meio tonto e sua vista embaçada. Quando olhou para o relógio percebeu que estava 40 minutos atrasado para a faculdade; teve de ir correndo, nem se arrumou direito. Colocou a mesma roupa do dia anterior e desceu correndo as escadas do apartamento. Correu tanto que caiu rolando até a parede, mas não se machucou tanto e podia continuar correndo, foi até o metrô e quase o perdeu.

Não tinha mais acentos livres, teve de ficar em pé, sentia que estava sendo observado. Era uma sensação estranha, como se todas as pessoas do trem estivessem simultaneamente olhando para ele. Ele estava muito desconfortável, tanto que nem olhou diretamente para ninguém, mas pela sua visão periférica conseguia saber que estavam todos vidrados nele com olhos profundos de julgamento, como se desejassem o seu mal, olhavam como se tivesse cometido o pior crime da humanidade. Sentia sua carne queimando diante de tantos olhares. Essa foi a viagem de metrô mais longa da sua vida, era como se cada segundo fossem horas lá dentro. O destino de Johnny chegou, e ele desceu o mais rápido possível, quando olhou para as janelas do metrô viu que todas as pessoas ainda olhavam para ele com olhos profundos.

O dia na faculdade foi estranho. Mesmo atrasado conseguiu entrar mas não estava muito bem. Seus olhos estavam pesados. Muitas vezes dava piscadas longas que o faziam cochilar durante a aula, mas acordava ao som de sussurros sinistros bem nos seus ouvidos. Ele não conseguia prestar atenção na aula, ouvia sons estranhos vindos do telhado e da janela que parecia que mais ninguém ouvia, ele ainda sentia que estava sendo observado. Quando foi se encontrar com Simon viu que a cafeteria estava interditada. Algo havia acontecido! Simon tinha batido com o carro na parede da cafeteria e tinha se acidentado feio, apenas Simon tinha se ferido gravemente.

Johnny foi ver o que tinha ocorrido, mas quando estava prestes a chegar ao carro da ambulância para ver o que havia acontecido com Simon, sentiu um toque, um toque frio, frio como o gelo. Era como se todos os seus nervos tivessem congelado instantaneamente. Quando olhou para trás viu uma figura alta, um homem, mais de dois metros de altura; usava um chapéu que tampava o seu rosto. Johnny ficou paralisado por alguns instantes. Sentiu uma presença ameaçadora. Seus instintos de sobrevivência o fizeram sair em disparada. Corria o mais rápido que podia; sentia suas pernas queimando; sua respiração pesada; o ar incendiava seus pulmões; a última coisa que pôde se lembrar foi sua vista se aproximando do chão...

Acordou no hospital. Johnny não tinha entendido o que acontecera, ele simplesmente acordou no hospital. Quando perguntou para os médicos, disseram que ele se desesperou e desmaiou provavelmente pelo choque ao saber que seu melhor amigo havia se acidentado. Imediatamente os médicos o liberaram para voltar a sua casa. Johnny perguntou sobre Simon, ele tinha sido levado ao mesmo hospital, mas ele não estava livre para visitas. Johnny percebeu que já estava escuro e ele tinha faltado ao trabalho. Recebeu uma ligação de seu chefe: ele tinha sido demitido.

Johnny voltou deprimido para casa, se sentou na cama e deitou logo depois, enquanto olhava para o teto viu pequenos insetos invadindo sua visão, viu o teto sendo infestado por pragas. Ele se levantou assustado, mas não havia nada lá, tentou dormir, mas sentia unhas longas arrastando por sua pele. Tentou jogar xadrez, mas sua conta havia sido banida. Então tentou dormir de novo, mas dessa vez ouvia pessoas gritando de dor. Johnny estava ficando insano, até que finalmente conseguiu pegar no sono.

Enquanto dormia viu uma silhueta, uma silhueta estranha, era familiar, claramente usava chapéu, carregava uma maleta, tinha uma postura corcunda, mais de 2 metros de altura e em seu entorno havia apenas escuridão. Ele falou coisas indecifráveis. Até que começou a se aproximar, chegou mais e mais, se aproximava lentamente e quanto mais ele se aproximava sua figura ia ficando mais visível. Mas, de repente, o vulto apareceu rente à sua face e assim Johnny acordou. Quando acordou viu sua cama vomitada, ele tinha passado mal durante a noite e nem tinha percebido. Tinha vomitado por todo o quarto. Acordou muito cedo, quando foi ao banheiro se lavar percebeu no espelho que suas olheiras estavam gigantes e seu cheiro estava horrível, era como se estivesse em decomposição, a sua pele estava pálida e seus olhos cansados, sentia seu estomago se revirar pelo corpo. Tomou banho e foi para a faculdade.

As pessoas do metrô estavam todos de cabeça baixa como se estivessem chorando e gritavam como se estivessem sendo esquartejadas vivas. Ele percebeu que no fundo do vagão tinha alguém que não estava agindo assim, ele estava parado, observando Johnny, tinha que se abaixar para caber no vagão. Johnny desceu o mais rápido possível. O homem desceu junto. Johnny foi para a faculdade, mas o porteiro não estava lá, ele simplesmente entrou e o homem estava esperando ele bem no pátio da faculdade, imóvel. Os colegas de Johnny estavam estranhos, todos eles estavam sorrindo de maneira artificial, e seu professor começou a falar sobre uma história...

Uma história de dois homens que estavam devendo para a máfia. Os dois estavam devendo a muito tempo e ambos jogavam xadrez. Para não matar ambos, os mafiosos resolveram propor uma partida entre os dois. O homem que estava devendo menos conseguiu secretamente propor uma oferta para os mafiosos subalternos, e conseguiu a permissão de roubar, desde que os chefes da máfia não soubessem. O homem "honesto", que perdeu a partida morreu, mas voltou para buscar vingança contra aqueles que colaboraram com a sua morte. Segundo ele, todos que roubam no xadrez, devem sofrer eternamente...

Johnny assustado fugiu o mais rápido que pode, mas o seu perseguidor sempre estava lá. Quando saiu da faculdade era madrugada e ele não tinha luz nem sinal para ligar para alguém. Com as ruas vazias corria o quanto podia, mas o homem permanecia em seu encalço. Chegou em seu prédio, subiu as escadas correndo, entrou em seu apartamento e lá estava o homem esperando por Johnny.

O homem era alto. Sua cabeça quase batia no teto. Carregava uma maleta que parecia minúscula em suas mãos. Usava um paletó xadrez preto e branco rasgado em certas partes, as partes pretas estavam desbotadas e as brancas sujas. Usava uma calça preta e branca de cada lado, esquerda era preta, direita branca. O chapéu dele era branco com uma faixa preta, era rasgado e sujo como se tivesse sido enterrado. Seus olhos iluminavam a sala, pareciam desalmados, e completavam sua feição cadavérica. Seu rosto era comprido, magro e enrugado, pele bastante pálida. Seu cabelo era coberto pelo chapéu, se é que ele tinha cabelo. Seus pés eram descalços. Ele tinha o cheiro de ratos mortos, era como se ele nunca tivesse tomado banho uma vez na vida, como se houvesse mergulhado em um esgoto. Sua voz ecoava. Era rouca e grave. Tinha uma postura estranha, era algo bizarro, mas intrigante.

O homem se apresentou como Mr. Thief Hunter e ofereceu jogar uma partida de xadrez. Johnny ficou muito assustado, começou a gritar mas não saia nada. Se levantou e tentou correr, mas ficava sempre no mesmo lugar. Thief Hunter pegou Johnny pelo pescoço e falou com um sotaque britânico, que ele não tinha escolha, ou jogava ou morria, e mostrou um canivete para afirmar. O canivete estava tão afiado que só de encostar a ponta no braço de Johnny o sangue escorreu. Johnny tentou chorar mas não conseguia. Então sem outra alternativa; aceitou o jogo.

O homem abriu sua maleta e um cheiro forte de morte saiu. Thief Hunter explicou que o tabuleiro era feito de pele humana, e as peças eram feitas de carne humana costurada com órgãos. Johnny tentou chorar, Johnny não conseguiu. Mr. Thief Hunter montou o tabuleiro e dispôs as peças cuidadosamente. Preparou tudo com a maior delicadeza possível, meticulosamente simétricas. Em seguida tirou de uma pequena caixa um relógio de xadrez de aparência bastante rústica feito de madeira de pinus, geralmente utilizada para a fabricação de caixões. Tirou também de sua maleta duas flores, respectivamente um Narciso e um Crisântemo com cheiro forte. Se levantou, foi até a escrivaninha de Johnny e pegou um jarro de flores, despejou as flores que estavam na jarra, com cuidado para não desperdiçar água, colocou ao lado do tabuleiro, e colocou as duas flores dentro do jarro.

Deixou Johnny iniciar. Johnny começou com sua abertura tradicional mas o homem respondeu de maneira que nenhum ser humano pensaria. E assim seguiu a partida da morte. Às vezes em meio às jogadas o homem fixava o olhar em Johnny e comentava do bom tabuleiro que seu adversário poderia vir a ser. Thief Hunter era uma verdadeira máquina jogando xadrez. Pensava como uma engine; tudo que Johnny fazia Thief Hunter respondia com 100% de precisão.

A cada “tic tac” do relógio o coração de Johnny acelerava. O ritmo de cada toque, após o lance, no silêncio da madrugada, parecia uma sinfonia da morte. As peças dançavam sobre o tabuleiro. Johnny tentava tirar algum fruto de sua mente vazia, não conseguia. Ficava enojado ao saber que para sobreviver deveria tocar em peças que antes eram um ser humano, assim como ele.

A tropa de Johnny sucumbiu. Uma a uma suas peças foram capturadas, e a cada perda, era como se uma parte dele morresse. As capturas infligiam sua alma. Johnny perdeu em poucos lances. Começou a implorar pela vida, começou a gritar a chorar mas o homem apenas disse que ele devia ter pensado antes de roubar no xadrez por puro egoísmo.

O homem levanta Johnny pelo pescoço, usa um martelo que tirou de sua maleta junto com pregos para grudá-lo na parede pendurado pelas mãos sujas que outrora usou para trapacear. Com os braços erguidos e com as pernas soltas ele se debatia tentando fugir mas falhava... Johnny tentou gritar por ajuda, mas não conseguia, então Thief Hunter foi retirando a pele de Johnny lentamente em uma intensa e dolorosa sessão de tortura. Esfolava Johnny enquanto abafava seus gritos de desespero. Para finalizar Mr. Thief Hunter usou seu canivete para executar uma águia de sangue em Johnny; método de tortura usado pelos vikings para punir os infratores que infringiam a ordem dos Deuses. Depois arrancou os órgãos, e foi retirando a carne. A partir da li um novo jogo de peças surgira.

Johnny tentou gritar, mas mortos não gritam.