Indecisões [miniconto]
Certezas frouxas, que abrem frestas para entrar o ar do remorso: segue com elas, em cambaleante pensar. Saíra de casa como um juiz, conhecedor das regras, sabendo o passo a passo de todo proceder, trazendo, também, consigo, oculto nos tecidos do corpo, a lâmina - para ser mais ameno nas palavras. Não se perguntava se era certo, fazia era se arrepender previamente do seu cada vez mais consumado rumo, sem saber se valia a pena construir essa estrada, a qual, pelo que se daria, teria o sinal derradeiro feito de tons vermelhos - um impedimento? Parada? Quem pararia? Ou o quê? Indagou se, na verdade, não seria sua vida a vítima dessa estagnação; as vozes trouxeram transcendência ao caos: levando em conta a pós-vida, de inocente, mas ele mesmo não a teria, continuaria submetido à igual dimensão do corpo esquartejado, à dor dupla do que agora sofria por prelúdio, e teria, talvez, a companhia dos latejos corporais, de pulsos apertados, de pele marcada, de muita coisa. E tanto remoía essas questões que deu, sem nem perceber, de frente à porta, aquela que passara no dia anterior, com um olhar maligno, mas olhava, no momento, como criança perdida da mãe. Lampejava ambiguidades, e essa luta oscilava nas decisões - já estava lá dentro, sentado no sofá, com um caderno no colo e um lápis indo de lá pra cá, brincante nas superfícies íngremes e brancas, aguardando a mácula do grafite. Estava há quase uma hora ali - com a despreocupada certeza do outro de que ele fazia sua obrigação de fazer relatórios; esse mesmo, despreocupado, estava no corredor que separava a sala do jardim, com ambas as portas abertas, e viu o mesmo deitado no chão, como gostava, lendo um livrinho, com a perna direita arqueada e os braços para cima, lá de fora invadia, quase como do paraíso, uma luz, achou, azulada - e o arvoredo interagindo com um coloridinho floril, de folhas caindo débeis, procurando o melhor lugar para formar um tapete. Ah, a força da obrigação frente ao dever... frente à admiração e ao medo. Sua mão tremia, sem saber se empunhava a faca, já não sabia quem mataria: se à vítima ou se a si próprio; insuportável, repentinamente tornada, decisão.