A vontade de viver
Era um sábado de manhã.
Estava tudo pronto para uma pescaria de três dias no mar. Iriam quatro pescadores já bem experientes.
De última hora um deles não pôde ir e mandou o seu sobrinho em seu lugar. Um garoto de vinte e poucos anos chamado Miguel, sem nenhuma experiência, entre os pescadores veteranos com mais de cinquenta anos cada.
Conferiram o rádio comunicador e os itens de pesca, redes, cordas , facão, combustível e estava tudo em ordem para navegar.
O garoto Miguel perguntou se não tinha colete salva vidas. Todos os outros pescadores riram como se fosse uma piada.
Um deles perguntou:
- Não sabe nadar garoto?
E outro disse que pescava já há mais de trinta anos e não precisava de coletes.
Miguel ficou em silêncio, enquanto os homens riam dele.
O barco partiu para o alto mar, cortando as ondas, ao som de um velho rádio tocando sertanejo.
O garoto se animou com a brisa no rosto e o balanço do barco em direção a linha do horizonte.
Orientados por uma bússola, os pescadores chegaram a um local já conhecido, onde iniciaram a pesca.
O que não imaginavam é que, contrariando as previsões, uma tempestade se iniciou a noite.
As ondas eram muito altas e violentas deixando o mar agitado. O capitão da embarcação disse que já tinha passado por muitas tempestades e tinha experiência.
Parecia que só Miguel estava com medo. Talvez pelo motivo de seus colegas estarem em um avançado estágio de embriaguez devido a cachaça que beberam durante todo o dia.
Com o aumento das ondas, caía cada vez mais água no interior do barco, e as bombas de porão já estavam ligadas. Um onda maior inundou o barco e fez com que o motor parasse de funcionar. Os três tripulantes mais experientes correram para tentar consertar o motor, sem muito sucesso.
Como a tempestade não cedia, o barco balançava bruscamente arrastando os pescadores de um lado para o outro. Começou a surgir um leve desespero na tripulação.
Foi então que de uma só vez o barco virou jogando o Miguel no mar, e ele não viu mais nenhum dos outros pescadores que estavam tentando fazer a manutenção do motor do barco. Provavelmente teriam ficado presos dentro do barco, que afundou logo.
No desespero, começou a nadar sem rumo. E então viu ao longe as luzes da cidade, mas não sabia se conseguiria nadar até a costa.
No alto mar, a morte tinha gosto de água salgada. Não era fácil nadar entre as ondas.
Pensamentos de todos os tipos pipocavam em sua mente.
Medo de se atacado por um tubarão, de se afogar, de se cansar e enfim de não sobreviver.
Na medida em que continuava nadando, todos os pensamentos se foram e restou apenas a vontade de chegar até a areia. Nessa hora, toda a sua fé foi colocada a prova.
Pedia a Deus que o salvasse daquela tragédia.
Era a primeira vez que ele tinha ido pescar no mar, sua sorte de principiante.
A tempestade deu uma trégua e as águas foram se acalmando.
A lua cheia ficou visível novamente, refletindo sua luz sobre o mar. Uma cena bonita, se não fosse o naufrágio.
O jovem olhou ao redor na esperança de encontrar alguém, não viu nada, então continuou a nadar.
A cidade estava muito distante, e ele já estava se cansando. Pensando em como faria para sobreviver, deitou-se na água e boiou enquanto era arrastado pelas ondas e descansava para logo em seguida continuar a nadar. Foi assim durante toda a noite, nadava e descansava. Com isso já se sentia mais calmo e confiante que poderia sobreviver. Começou a imaginar que com o raiar do dia algum barco poderia encontrá-lo e o resgatar. Uma esperança de um milagre. Infelizmente as coisas não seriam tão fáceis assim.
A esperança nesse momento era o que lhe mantinha vivo.
A solidão no mar é anormal, e a imensidão de água e ondas deixam qualquer um em pânico.
Mas ele continuava nadando, e sabia que sua vida dependia disso.
Com o nascer do sol, o jovem percebeu que estava totalmente sozinho, e onde quer que olhasse não via nenhum barco e nenhuma pessoa.
Começou a duvidar se realmente sobreviveria. Conseguia ver a costa, mas estava muito distante ainda.
Pensava que queria ver sua mãe e sua família novamente, e desistir não era uma opção.
Estaria desistindo da sua vida, do seu futuro e de sua família também. E a ideia de morrer afogado era terrível.
Nos momentos mais difíceis e desafiadores, pessoas tiram forças de onde não sabiam que tinham e realizam feitos extraordinários.
A capacidade humana aliada a vontade de viver, não conhece limites.
Ele nadou durante todo o dia, e finalmente conseguiu chegar a areia no domingo, já no início da noite, exausto e desidratado, mas vivo.
Ainda não acreditava que estava vivo. O pesadelo havia passado.
Dormiu ali mesmo, na areia da praia naquele dia.