A coluna de Fabiano

Telefone tocando...

"Alô?"

"É o Fabiano?"

"Ele mesmo."

"Aqui é o presidente, preciso de uns serviços."

"Estou a caminho."

Vestiu um terno cinza claro passadíssimo, uma gravata violeta com bolinhas brancas e sapatos pretos recém-lustrados. Pegou a maleta e correu em direção a porta. Passos rápidos, suor na testa, o elevador nunca pareceu tão lento.

Era 15:45 quando chegou ao gabinete do Presidente da República.

"Só com autorização prévia" - insistiu o segurança.

"Ele me ligou há uns 30 minutos, pode perguntar."

"A ordem foi explícita, o Presidente não quer ser incomodado."

"Pô, cara. Estou um pouco apressado, me faz esse favor."

"Sinto mui..."

Antes que pudesse continuar, sentiu que alguém punha a mão em seu ombro. Era o Presidente.

"Deixe o rapaz entrar, ele não está mentindo. Realmente fiz uma ligação, há uns... (olhada no relógio) 30 minutinhos, de fato."

"Tudo bem, pode entrar" - abaixando a voz.

O Presidente e Fabiano sentaram-se frente à frente.

"Então, do que precisa?"

"Fabiano, meu amigo, embora eu já seja o Presidente com maior grau de aprovação da história deste país, não acho que posso descansar ainda. Por isso, tenho um novo desafio para você."

"E que desafio seria esse?"

"Sei, muito bem, que você conhece como a palma da mão o Shopping da Praça Central, aquele ilustríssimo, com suas enormes colunas e piso de mármore."

"Sim, conheço."

"Pois bem, eis o desafio: torne uma de suas colunas famosa, quero que o mundo inteiro a veja, a reconheça."

"Uma coluna? Sério?"

"Exato, acha que consegue?"

"Acredito que dou conta, algum prazo?"

"O mais rápido que puder."

"Vou elaborar alguns projetos e ligo assim que houver algo concreto (piadinha? Talvez)."

"Perfeito!"

Aperto de mão sincero, tapinha nas costas e Fabiano saiu.

Chegando em casa, um beijo na esposa e logo partiu debruçar-se sobre a escrivaninha, faria a melhor campanha de publicidade de todos os tempos. Ideias para cá, ideias para lá, anotações, rascunhos, um copo da água e...

"Droga!"

Derramou sobre os papéis, teria que reescrever. Sem problemas, fez em um piscar de olhos. Mais algumas horas trabalhadas, três xícaras de café, 2:00 da manhã, até que:

Voilà! Uma exposição artística em torno da coluna! Haveria performances teatrais, pinturas e estátuas de um lado, bandas do outro, etc, etc. Fabiano sentia-se empolgado. Tinha certeza de que o festival seria comentado pelo país inteiro. Na manhã seguinte, não perdeu tempo, saiu na corrida diretamente para um encontro com o Presidente, sequer ligou.

"Mas já?"

"O senhor pediu que fosse rápido, trabalhei bastante e acho que temos algo promissor."

"Vamos, vamos, me mostre."

Abriu a maleta e lá estavam eles, os papéis. Na sequência, explicou detalhe por detalhe, com apenas 20 minutos de reunião."

"Inacreditável, ótimo trabalho! Começamos em 3 dias."

Mais um aperto de mão, mais um tapinha nas costas.

Nos dias seguintes: horas de organização, uma boa parcela do orçamento e café que não acabava mais.

Tudo pronto, agora era só... Mas o quê???

Meia dúzia de gatos-pingados, um ou outro morador de rua procurando comida gratuita e era o fim do 'glorioso' festival.

"Não se preocupe Fabiano, vamos tentar outra coisa."

"Como pode? Como pode?" - incrédulo.

Fabiano não poderia esconder a desolação, mas seguiria em frente. Passou os próximos 5 dias e 5 noites absolutamente focado, desenvolveria algo infalível, o plano perfeito. Até que, finalmente uma nova aposta: um encontro de celebridades, seriam as maiores do mundo.

"Ótimo, ótimo, bom trabalho!" - a mesma reação efusiva do Presidente da República.

As celebridades se reuniram, festejaram, mas certamente não eram as maiores do mundo. Enquanto isso, a coluna permanecia esquecida.

"Se acalme, meu homem! Vamos de novo."

Sobre Fabiano? Ainda mais frustrado.

Mas não desistiu, continuaria em frente. Dessa vez, mais 5 dias e 5 noites em pleno vapor.

"Inventarei uma história." - dizia Fabiano.

"História?" - questionava o Presidente.

"Isso, diremos que há uma lenda cercando a coluna. Falaremos de mistérios, segredos ocultos e tudo o que for poderoso na captura da atenção desta Terra."

De fato, capturaram a atenção, mas apenas a atenção de um grupo de esquisitões, daqueles com chapéus de alumínio, pulseiras quânticas e tudo a que se tem direito.

Na sequência: inúmeras tentativas, passando por desfiles de moda (uma das modelos usava um vestido em forma de coluna), eventos de pets, concursos de feiura e sei lá mais o quê.

Certa noite, a esposa de Fabiano entra no quarto e não vê o marido. Não, o que vê é um homem de 40 anos deitado no chão, em posição fetal, com a cabeça entre os joelhos, à lágrimas, gemidos e espasmos.

"Meu bem, mas o que é isso?" - assustada.

"Coluna, coluna, coluna..." - repetia incessantemente.

"Recomponha-se, por favor."

Aos poucos, Fabiano se reconstituiu, algo improvável sem a ajudinha da esposa. Tiveram que ter uma conversa séria, como adultos:

"Acho que esse trabalho não está fazendo bem para você."

"Esse trabalho é minha vida, meu amor."

"E eu não sou?"

"Você também, com certeza."

"Acho que esse tal Presidente deveria dar uma sumidinha."

"Sumidinha?"

Naquela noite, dormiram mais cedo. Quando a esposa de Fabiano acordou, ele já havia saído.

Foi ao encontro do Presidente, pois em sono sentira que recebeu uma inspiração divina, a melhor proposta de todos os tempos, a que marcaria o apogeu de sua carreira, de sua vida e da nação.

"Tem certeza? Permita-me verificar a agenda." - o presidente não poderia deixar de questionar.

"Lhe garanto, esta vez será a última, portanto quero fazer uma surpresa." - convicto.

Saíram juntos. Fabiano havia dito ao Presidente que a surpresinha serviria para marcar a conquista.

Deixaram o Palácio em um carro blindado, descendo 6 quarteirões rumo ao Shopping da Praça Central. Subiram ao terceiro andar, avizinhando a famigerada coluna, Fabiano se preparava para expor a sumptuosidade da obra. Aproximavam-se mais a cada passo, enquanto a ansiedade do Presidente crescia a proporções astronômicas. Um pouquinho mais e lá estava ela, reluzente.

"Vamos nos achegar ao peitoril, a surpresa surgirá assim que olharmos para baixo."

Inclinaram-se sobre o abismo de 15 metros.

Com os olhos meio esbugalhados virados para baixo, a cintura projetada para fora e os pés apoiados na pontinha dos dedos, o Presidente pronunciava duras palavras de embasbacamento:

"Mas ora, não vejo nada... e, uoooooohhh" – caiu deslizando.

O ligeiro 'empurrãozinho' de Fabiano fora suficiente.

Nos anos seguintes, milhares de pessoas visitaram a coluna sobre a qual o Presidente com maior grau de aprovação da história daquele país teve a cara espatifada. De tal magnitude a força do impacto que os dentes se lançaram para fora da gengiva. Ademais, construiu-se uma titânica homenagem de metal, capaz de acomodar as infinitas consequências de uma morte libertadora.