O pai de Abril
Dez anos depois que havíamos terminado, Florencia apareceu subitamente em minha porta; usava uma aliança na mão esquerda e estava com um bebê nos braços.
- Desculpe vir sem avisar, mas não lembrava de mais ninguém que pudesse me ajudar nessa cidade - declarou, quando a convidei a entrar.
- Isso explica ter desaparecido tão completamente do radar quando nos separamos - repliquei. - Quer um café? Algo para o bebê? Ele ou ela?
- Ela - redarguiu Florencia. - Abril, é o nome, porque...
- Ela nasceu em abril - intuí.
- Não, por causa de Avril Lavigne - corrigiu-me Florencia.
- Ah, sim - murmurei.
- Eu vou querer aquele café - decidiu-se Florencia. - A bebê não precisa de nada, felizmente; isto é, se ela quiser mamar, algum problema em fazer isso na sua casa?
Dei de ombros.
- Nenhum problema. Apenas me avise antes, para eu olhar pro outro lado; não quero lhe causar constrangimento.
- Como sempre, cavalheiro. Isso não mudou - aprovou ela com um sorriso.
Peguei-me pensando em que eu teria mudado; a barriga, os cabelos? Já Florencia continuava bonita; a maternidade certamente havia lhe feito bem. Mas e o casamento?
- Um momento, enquanto trago o café - repliquei, retirando-me da sala.
Quando retornei com a bandeja e a xícara, Florencia estava embalando Abril, cantarolando "Keep Holding On" com a boca fechada. Era realmente lindo de se ver, e fiquei ali, apreciando a cena, sem falar nada, até que Florencia me notou e parou de cantar, sem jeito.
- Eu não queria interromper - desculpei-me.
- Eu e Abril temos passado por um bocado de coisas nos últimos meses; antes mesmo dela nascer - confessou Florencia.
Coloquei a bandeja com o café na mesinha de centro, diante dela.
- Desculpe se me intrometo na sua vida pessoal, mas o que houve com seu marido? - Indaguei, apontando para a aliança que ela usava.
- Justin foi preso - informou, lábios contraídos. - Todos os meus cartões estão bloqueados; não tenho dinheiro nem para pegar um ônibus.
- Lamento saber - comentei, sem me atrever a perguntar a razão da prisão de Justin. - Mas posso lhe ajudar a voltar para casa, se é do que precisa.
Ela fez uma careta.
- Não posso voltar, ou me prenderiam também. E, provavelmente colocariam Abril num lar adotivo.
- É tão sério assim? - Questionei.
Florencia balançou afirmativamente a cabeça. Depois, começou a tomar o café.
- Preciso que me ajude a sair do país - declarou finalmente.
- Farei tudo o que puder para lhe ajudar - prometi.
- Preciso que venha comigo - acrescentou ela.
- Eu?! - Retruquei atônito.
- Estão procurando uma mulher com uma criança, não um casal com uma criança; se me acompanhar, as chances de que eu consiga escapar aumentam.
E as chances de que eu fosse preso como cúmplice aumentariam exponencialmente, pensei. Mas, afinal, poderia eu negar ajuda a um antigo amor, principalmente se ela agora tinha uma criança que numa outra realidade poderia bem ser minha filha?
- O que tenho que fazer? - Indaguei.
- [10-09-2022]