TRAIÇÃO

 

Júlia, com seus oitenta anos, sentada em um banco em frente ao seu jardim, lembrou-se das manhãs em que Arlindo a despertava com uma flor, carinho que só não ocorria quando ele viajava a negócios. Seu amamhecer era repleto de mimos. Embaixo do pratinho da xícara, versos de amor. Sentia-se amada e muito querida.

Dessa união, nasceu Cora, uma garotinha sagaz e serelepe, provida de imensa energia. Seu tempo era só descobertas: cantava, dançava, pulava, vivia! Parecia ter pressa de crescer, tamanha era a velocidade de suas palavras e de seus gestos quando falava. Na escolinha, demonstrava segurança e determinação, embora, às vezes, tivesse alternância de humor. Dizia ser a mocinha do papai.

Certa manhã, acordou cabisbaixa. Ao ser interrogada, disse que sonhara que o pai se transformara em um pássaro e tinha partido. Ao vê-lo, beijou-lhe muitas e muitas vezes.

Após o café, Arlindo avisou as suas meninas que ficaria fora por quinze dias. Ambas, chorosas, fizeram-lhe prometer que ligaria todos os dias. Na primeira semana, o contato ocorreu conforme o combinado. A partir do oito dia, nada! O que estaria acontecendo? – perguntava-se Júlia.

No décimo segundo dia, no fim da tarde, assim que o telefone tocou, Júlia, nervosa, atendeu. No outro lado, uma voz feminina perguntou-lhe:

– Seu marido está?

– Não! Quem fala?

– Senhora, no telefone de meu marido havia várias ligações para este número. Creio que os nossos esposos eram amigos. Por gentileza, avise o seu, que o Arlindo teve um infanto e o sepultamento será amanhã, às 15 horas, no Cemitério da Paz.

– De quem?

– Do Arlindo!