ESCOMBROS MENTAIS
Está um dia ensolarado. Minha esposa brinca perto do lago com as crianças. O Parque Natural de Berlim está apinhado de pessoas e animais de estimação. Estou sentado em um banco, descansando um pouco; Adler, meu menino, me sugou bastante a energia. Amélie, a minha menininha, é mais tranquila que o irmão, ela se diverte em seu silêncio.
Fico admirando minha família, imaginando o quanto sou sortudo por tê-los em minha vida.
Enquanto me perco nessa minha contemplação, um homem de jaleco branco senta ao meu lado no banco. Ele fica um pouco olhando para frente, depois diz:
— Você tem uma família maravilhosa!
— Sim, eu tenho. — Não paro de olhar para minha esposa e meus filhos. A voz do homem me incomoda, não sei o motivo, mas quero que ele vá embora.
— Quantos anos tem o menino? — ele indaga.
— Oito. — Respondo, esperando que ele saia logo dali.
— A menina?
— Cinco.
— O que eles estão fazendo? — o homem pergunta.
— Estão brincando com a mãe.
— Por que você não está com eles?
— Estou cansado, sentei aqui para relaxar um pouco.
— Cansado de quê?
— Adler estava agitado, então brinquei mais com ele, para ele se acalmar.
— Faz tempo que está aqui? — o meu interlocutor pergunta.
Demorei um pouco para responder, eu não sabia ao certo por quanto tempo estava ali. Fazia apenas alguns minutos, mas por que parecia tanto tempo? Talvez fosse apenas o cansaço.
— Não sei ao certo. — Respondi para o homem ao meu lado.
Ele cala-se por um instante. Após alguns momentos, ele me diz:
— O que está te empatando de voltar a brincar com Adler?
A pergunta dele me irrita, sou grosseiro ao responder:
— Já disse, estou cansado!
— Está cansado, ou não consegue ir lá? — ele rebate.
— Saia daqui! Está atrapalhando minha tarde com as crianças. — Tento controlar minha raiva.
— Dener, onde estão suas crianças?
Quando o homem me chama pelo nome, sinto um arrepio subir por minha pele. O dia ensolarado passa a escurecer.
— Elas estavam no lago agora há pouco! — fico desesperado, eu ainda estava no parque, mas as crianças não estavam mais, nem a minha esposa.
— Dener, elas não estavam no lago, isso está acontecendo apenas na sua cabeça. — O homem de jaleco branco fala, incisivo.
— Não, é mentira! Elas estavam sim! — estou quase gritando agora.
— Não estão. Essa cena aconteceu há dois anos, foi a última vez que você viu sua família com vida. — Ele fala calmamente.
— Não pode ser. — Fico quase sem voz agora.
De repente, está tudo escuro, vejo uma forte luz quebrando a escuridão e atrapalhando minha visão. Eu ouço a batida, sinto a vertigem. Alguém bateu no meu carro, não sinto dor, não física. Tento olhar para trás, está tudo anuviado. Vejo reflexos de duas crianças imóveis. Há também alguém imóvel ao meu lado, no banco do passageiro. Tento gritar, estou mudo.
A voz do homem de jaleco branco me traz de volta:
— Está apenas na sua cabeça, Dener. Faz dois anos que você perdeu sua família em um acidente de carro. Vocês estavam vindo do parque.
— Não, é mentira! — estou desesperado, estou querendo que o homem veja que ele está mentindo, porém, sinto que ele talvez tenha razão. Este conflito está me esmagando.
— Se quiser ser livre, aceite o que aconteceu. — Ele fala para mim.
— Meus filhos, cadê eles? Cadê minha esposa? — estou completamente submerso em desespero agora.
— Eles se foram, Dener. Você está em uma clínica psiquiátrica, está em tratamento para superar seu trauma.
— Não pode ser.
Sinto uma forte dor de cabeça, o cenário de desastre vai desaparecendo, enxergo paredes brancas. O homem de jaleco continua sentado ao meu lado. Vejo-o com mais clareza agora.
Sim, eu estava surtando!
— Eu surtei. — Digo afirmativamente. Começo a chorar.
— Você surtou. — O homem de jaleco branco, que agora eu consigo reconhecer como Dr. Axel, diz pacientemente. — No entanto, você tem surtado menos nos últimos meses. Estamos fazendo progresso.
O quarto que estou é modesto, mas aconchegante. Minha cabeça está explodindo. Acabei de sair da minha fantasia e voltei ao mundo real. Esse mundo era doloroso, eu não tinha ninguém. Minha mente me traía, minhas memórias me machucavam. Acho que era por isso que eu sempre voltava para o mundo imaginário, lá eu ainda tinha algo a que se apegar.
— A realidade é só ruínas. — Digo ao Dr. Axel.
— Das ruínas podem surgir algo novo.
— O problema é que eu quero o algo velho. Aquilo que me foi tirado.
— Não se pode mudar o que se passou, apenas conviver com isso.
O Dr. Axel me dá um remédio para dormir e sai do quarto. Estou sozinho. Deixo o sono me dominar e me entrego ao vazio.