Histórias em silêncio
(Conto selecionado para compor a Antologia "Contos secretos do além-mundo" da Editora Tenha Livros - Dezembro/2022)
O dia começou como normalmente... Pássaros cantando competindo com os sons de buzina e motores do trânsito habitual, aviões rasgando o céu, trabalhadores bocejando cansados da semana estressante, pessoas falando, celulares tocando, bebês chorando, cachorros latindo... O caos da modernidade! Era uma sexta-feira, mas não uma qualquer e até agora eu não sei se isso está acontecendo apenas para mim.
No meu trabalho, na biblioteca pública da cidade, é o único local que sinto paz... O silêncio! Naquele grande salão repleto de prateleiras abarrotadas de livros e sem janelas ouço apenas meus próprios pensamentos e me faço companhia enquanto mergulho em milhares de livros de histórias reais, fantasia e até os acadêmicos. Me absorvo nas páginas, me perco nas linhas, me isolo entre as palavras, aprendo e então me encontro!
Nesse dia, em meio a mais uma leitura, as luzes da biblioteca se apagaram subitamente me obrigando a interromper mais uma leitura. Minha primeira reação foi procurar pelo meu celular a fim de usa a luminosidade da tela para enxergar alguma coisa. Para minha surpresa, encontrei o aparelho, apertei o botão para desbloquear a tela e não obtive resposta. O aparelho permaneceu desligado como se estivesse totalmente descarregado e embora eu tivesse certeza de que tinha bateria suficiente, o deixei de lado.
Levantei-me da cadeira e fui andando devagar, pisando pé ante pé, procurando tatear o espaço escuro à minha frente tentando não tropeçar e nem bater em nada. Com muita paciência, encontrei a porta de saída e ao abrir deixe a luz do entardecer adentrar o salão e precisei fechar os olhos brevemente ao mesmo tempo em que sentia o vento tocar o meu rosto. Foi então que percebi algo estranho...
Saí da biblioteca, olhei para a rua e vi os carros, mas não ouvi o ronco dos motores. Me aproximando de alguns dos automóveis não vi ninguém, nas calçadas também não havia nenhum homem, mulher ou criança... Olhei por alguns instantes pro céu alaranjado e não avistei nenhum avião, olhei as árvores e não vi nada além das folhas balançando ao vento... Nem um som, nem sinal de ao menos uma mosca para revelar a vida. Percorri alguns quarteirões e encontrei comércios abertos, porém vazios. No balcão de uma loja de roupas me deparei com um telefone fixo e não me surpreendi ao descobrir que também não tinha sinal. Era como se tudo o que vivesse tivesse se extinguido.
Tudo estava vazio e a noite se aproximava, achei mais seguro retornar para o interior da biblioteca. Me sentei num canto próximo da porta aproveitando os últimos instantes de luz natural até que restasse apenas a lua cheia e vibrante iluminando o céu e a cidade como um farol. À medida que escurecia também esfriava, então me afastei um pouco da corrente de ar que entrava pela porta.
Em minha mente fervilhavam pensamentos como se todo o caos visto no meu caminho para o trabalho pela manhã ocupassem agora apenas a minha cabeça, na verdade, a minha memória. Comecei a pensar em como passaria aquela noite, então decidi forrar o chão gelado com alguns livros. Essa era minha única opção naquele momento! A medida que esfriava, mais livros eu buscava para manter meu corpo aquecido... Eu os colocava no chão e também por cima de mim.
Todo aquele vazio que anteriormente me fazia tão bem, agora me assombrava. E os livros que me faziam companhia, dessa vez pareciam me cobrar um posicionamento... Aqueles personagens reais e fictícios rondavam meus pensamentos, pois definitivamente, agora eles só existiam em minha psique.
Recaia em mim naquele momento o peso de manter a história da humanidade viva, como se repousassem em minh’alma, simultaneamente, as almas de Shakespeare, Cleópatra,... Branca de Neve, Pinóquio... Toda a vida até a mais insignificante bactéria!
Eu já não tinha certeza de minha lucidez e com avançar da noite minha consciência parecia regredir trazendo instintos animais à tona, mas eu resisti em tentar fazer fogo usando aquelas páginas para me aquecer.
Finalmente adormeço! A noite passa e aos poucos o sol da aurora começa a aquecer tudo o que sua luz toca até me despertar.
Acordo aos poucos ouvindo pássaros, buzinas, motores, vozes... Abro os olhos num rompante e corro até a porta, mas ao olhar para fora tudo permanece como antes... Um imenso vazio, silêncio... A paz que as prateleiras abarrotadas de livros naquele salão sem janelas me proporciona, me deixando sozinha apenas com meus próprios pensamentos me fazendo companhia e com aquelas milhares de histórias, como a minha, real e fictícia!
(Obs.: Essa história está disponível em versão estendida como e-book pela Amazon, com o título "No caos do meu silêncio")