A casa da rua 69

Há algum tempo, eu costumava visitar as pessoas que me solicitavam, seja para ouvi-las, para passar um banho de ervas e curar suas mazelas, ou até mesmo só para colocar o papo em dia. Eu já estava acostumada a presenciar situações de adoecimento. Era costumeiro eu fazer o acompanhamento de crianças com chagas no corpo e também realizar o parto das comadres que me solicitavam.

Um certo dia, ouvi um chamado diferente. As moradoras daquele bairro cochichavam a respeito de uma senhora que morava na rua 69. Elas falavam que esta senhora estava desaparecida dentro de sua própria casa. Algumas mulheres até chegaram a ir lá para ver o que estava acontecendo. Porém, relatavam que, quando batiam na porta, um cheiro pútrido se espalha na frente da casa, como um recado para que mantivessem a distância.

Alguns meses já se passaram desde a primeira tentativa de busca da senhora da rua 69. Os moradores da redondeza se reuniam na esquina do local, todos os dias, por volta do pôr-do-sol, pois afirmavam ouvir neste horário inúmeros barulhos dentro da casa. Mas jamais viam a mulher que ali morara.

Foi quando decidi buscar entender o que estava acontecendo. Em uma manhã de domingo, resolvi ir até a casa. Fui acompanhada de minha sobrinha, que sempre me auxiliava em todas as visitas. Fomos caminhando bem cedo pela rua 69, a vizinhança nos acompanhava com os olhares de dentro de suas casas. Eram olhos assustados e ao mesmo tempo curiosos.

Quando chegamos em frente à casa da senhora desaparecida, nós batemos no portão de ferro, que já estava enferrujado e com musgo. Como já esperávamos, ninguém veio atender. Olhei ao redor da casa, para ver se encontrava alguma outra maneira de entrarmos, e gritei pela senhora, para ver se ela nos ouvia. Foi aí que tive a impressão de ouvir um gemido ao longe. Corri para perto de minha sobrinha para informá-la que a senhora estava lá dentro e que precisávamos entrar.

Vi uma pedra enorme na rua e resolvi jogá-la no cadeado que estava no portão enferrujado. Então, o cadeado e o portão quebraram, facilitando a nossa entrada. Nesse momento, o cheiro pútrido começara a se espalhar. Amarramos um lenço em nossa cabeça, cobrindo nossas narinas e continuamos andando pelo quintal lamacento. A entrada da casa estava logo ali. Estendi o braço para bater na porta e, no primeiro toque, ela se abriu. Acredito que a porta só estava encostada.

Entramos lentamente e mal conseguíamos identificar aonde estávamos. O ambiente estava tão escuro que tivemos que acender uma vela para identificarmos onde estávamos pisando. À medida em que dávamos alguns passos, ouvíamos o gemido da senhora, como se estivesse nos direcionando a encontrá-la. Foi quando decidimos entrar no corredor que, aparentemente, estava mais escuro do que o cômodo anterior.

À cada passo dado, ouvíamos ecoar inúmeros barulhos, como se fossem pequenas patas andando conosco. Seguimos em frente, mesmo com o cheiro pútrido aumentando, e os barulhos nos seguindo. Foi quando nos deparamos com um quarto no final do corredor. Dele, podia-se ouvir com mais intensidade os gemidos da senhora. Abrimos, então, a porta e lá estava ela, encolhida na cama, apavorada com a nossa presença.

Entreguei meus mantimentos para a minha sobrinha e fui acalmar a senhora, tentar ajudá-la. A minha sobrinha decidiu acender mais velas, pois a casa estava sem energia. No momento em que ela acendeu, vimos vários reflexos de olhos avermelhados nos encarando. Toquei na senhora para tirá-la daquele ambiente e ela tremia de medo. Puxei a sua coberta da cama para ajudá-la a se levantar e, nesse momento, me horrorizei mais ainda com o que vi. Em sua cama, por cima de seu corpo, havia cerca de 50 ratos enormes, que estavam roendo o corpo da mulher.

Minha sobrinha foi até nós e começou a jogar água benta em cima das criaturas. Elas gritavam e nos encaravam, como se fossem nos atacar. Decidimos pôr fogo nos lençóis, que já estavam jogados no quarto, para afastar os ratos e tirarmos a senhora da cama. Conforme o fogo crescia, o ambiente se iluminava mais e conseguimos ver a quantidade de ratos que ali habitava. Havia rato albino, amarelo com manchas pretas, marrom, cinza, preto... Eram tantas espécies juntas que não sabíamos se ajudávamos a senhora a sair da cama, ou se afastávamos todas essas pestes.

O fogo ajudou a mantê-los distantes da gente por alguns minutos. Com muito custo, conseguimos levantar a senhora, que já estava altamente ferida, com partes do corpo em carne viva. Quando tiramos a mulher do quarto, os ratos se agitaram e começaram a gritar estranhamente. Foi aí que ouvimos um enorme barulho vindo do guarda-roupa do seu quarto. Olhamos para trás e vimos as portas se abrirem. De lá, saiu um enorme rato. Tão gigante que os outros que já estavam ali pareciam nem existir na presença da criatura enorme, que deveria ter por volta de um metro de comprimento.

Gritei para a minha sobrinha ir pedir ajuda na rua enquanto eu apressava os passos com a senhora, que mal conseguia andar. Passei os seus braços sobre o meu ombro e decidi carregá-la, para que conseguíssemos mais agilidade para sair da casa. A criatura andava em nossa direção, nos seguia como se sua vida dependesse de alcançar aquela pobre mulher. Alguns camundongos marrons se aglomeraram na saída do corredor, dificultando a nossa passagem. Foi aí então que a enorme criatura pulou na costa da senhora, derrubando-a no primeiro cômodo da casa, como se estivesse desesperado para que ela não saísse do aposento.

Gritei por socorro, corri até a porta da frente e me deparei com a minha sobrinha no portão da entrada, acompanhada de uns cinco vizinhos prontos para nos ajudar. Eles entraram e viram a cena mais horripilante que poderiam ter visto. A enorme criatura estava em cima da senhora, lambendo as suas feridas que estavam expostas, enquanto os inúmeros candongas roíam outras partes do seu corpo. Foram gritos de desespero e espanto até que eu ateei a lamparina em cima deles, para que conseguíssemos retirar a senhora dali.

Os vizinhos que ali estavam finalmente conseguiram carregá-la e tirá-la da casa. Enquanto isso, eu decidi continuar na casa para pôr um fim naquelas criaturas. Joguei gasolina em toda a sala para que ali gerasse um pequeno incêndio. As criaturas se debatiam com as chamas subindo. Porém, um círculo de fogo se abriu no meio do cômodo e avistei várias das criaturas, atravessando para dentro desse círculo, como se fosse um portal que estava puxando elas de volta. Foi quando pude ter uma noção da quantidade de ratos que estavam ali. Deveria haver mais de 500 criaturas. Por último, o rato gigante, que aparentava ser o rei deles, se dirigiu ao portal e desapareceu nas chamas. Poucos minutos depois, o fogo cessou e a casa ficou silenciosa, sem ninguém.

Eu nunca consegui compreender o que havia acontecido ali. Saí do local e toda a vizinhança estava aflita do lado de fora. Olhavam assustados para a senhora e esperançosos por eu ter conseguido sair dali. Prestamos assistência para a senhora, tratando de suas feridas. Alguns dias depois, nos despedimos da cidade e posteriormente soubemos que a mulher havia ido morar na casa de uma parente sua.

Em alguns meses, soubemos, infelizmente, que aquela pobre senhora havia falecido por causas desconhecidas. Quando recebemos a notícia, fomos atrás de informações da casa da rua 69, onde tudo havia acontecido. Foi aí que soubemos que a casa nunca mais havia sido habitada, desde aquele ocorrido. Hoje, após anos do acontecimento, os moradores ali de perto ainda comentam que, mesmo vazia, a casa continua a assustar a vizinhança. Pois todo dia, no mesmo horário, após o sol se pôr, os gemidos e pisadas ainda são perceptíveis na moradia.