"Sim" pela paz

Uma pausa na dura labuta de trabalhos forçados sempre era bem-vinda, e a razão pela qual havia sido convocada pegou muitos de surpresa. Menos Til Pilcz, pijama listrado de prisioneiro, um triângulo vermelho invertido costurado à altura do peito identificando-o como preso político. Na manhã fria de outono, perfilado no pátio do campo de concentração com centenas de outros homens vestidos de modo igual, variando apenas a cor do emblema costurado no uniforme, ouvira a preleção do comandante da instalação sob o olhar vigilante de guardas da SS.

- Vocês são a escória da sociedade, - declarou enfaticamente o oficial - mas ainda podem provar que lhes resta um pouco de apreço pela pátria cujas leis violaram. Amanhã, domingo, 12 de novembro, será realizado em todo o Reich um referendo sobre aquela mancha vergonhosa em nossa história, chamada de Tratado de Versalhes.

Alguns prisioneiros entreolharam-se, desconfiados. Afinal, política externa alemã não costumava ser objeto de discussão em Dachau.

- Amanhã, - prosseguiu o comandante - será o dia em que diremos adeus à traiçoeira Liga das Nações e seu legado de miséria. Para que isso ocorra, a pátria os conclama a votarem "sim". Um sim para trazer de volta a paz e a honra que nos foi subtraída. Um sim para todos aqueles que acreditam que o Tratado de Versalhes foi uma traição ao povo alemão.

Mãos às costas, o comandante encarou sua plateia cativa, a qual aguardava o desdobramento da peroração em silêncio.

- O referendo também irá ocorrer aqui, neste campo de trabalho de Dachau. Aos internos será permitido manifestar a sua escolha, a qual, esperamos, irá ratificar de forma unânime a visão do nosso chanceler, Adolf Hitler.

Então era isso, pensou Til Pilcz. Mesmo dos inimigos do estado, era esperado que referendassem a política deste mesmo estado.

- Espero ter sido bastante claro sobre o que se espera de todos vocês amanhã - continuou o comandante. - Para aqueles que eventualmente não entenderam a mensagem, resta lembrar que um voto diferente de "sim" irá demonstrar, em caráter definitivo, que são verdadeiros inimigos da pátria. E como tal deverão ser tratados.

- Essa é a nossa realidade - murmurou um prisioneiro ao lado de Pilcz.

- E há apenas um meio de lidar com inimigos da pátria - o comandante subiu o tom, antes de concluir. - Devem ser apagados da existência!

Votando ou não no sim, Pilcz sabia que esse era o fim que estava reservado a todos ali.

No dia seguinte, 96% dos prisioneiros de Dachau votaram a favor da proposta de Hitler.

- [25-05-2022]