A mulher em contraluz
O barulho das sirenes alertou Soma Váradi do perigo, antes mesmo que a luz dos faróis quebrasse a escuridão da noite. Ele jogou-se atrás de uma sebe, à beira da estrada, e esperou ofegante até que as duas viaturas passassem pelo asfalto em alta velocidade, giroscópios lançando chispas vermelhas e azuis para todos os lados. Lá iam eles à caça noite a dentro, pensou, não importando idade, cor ou sexo dos alvos: todos eram abatidos, sem piedade. Engoliu em seco.
Soma não queria virar uma estatística. Ergueu-se do chão, batendo nas roupas para limpar a terra que grudara nelas, e escutou pacientemente. A patrulha seguira seu caminho, e fora os grilos que cantavam no mato, tudo o mais estava silencioso ao seu redor. Prosseguiu caminhando com cuidado pela lateral da estrada, atento a qualquer mudança no ambiente ao redor dele. Seus sentidos pareciam estar mais aguçados, apesar das dores e do cansaço que sentia. Precisava encontrar um lugar para descansar; fazia dois dias que caminhava por aquela região montanhosa, apenas cochilando ocasionalmente quando possível. Felizmente, ainda tinha algumas rações na mochila, mas elas não iriam durar muito.
Finalmente, avistou luzes por entre as árvores, numa elevação a cavaleiro da rodovia. Havia uma estradinha de terra que levava até lá, e como tudo continuasse silencioso, Soma resolveu arriscar e dar uma olhada. Teoricamente, toda aquela região deveria ter sido evacuada há semanas, não sendo de esperar que ainda houvesse alguém residindo ali. Talvez, apenas as luzes fossem ligadas automaticamente ao anoitecer, por algum mecanismo de segurança.
As luzes pertenciam à uma casa de dois andares, e no andar de cima, havia uma janela aberta. Um vulto de mulher surgiu e olhou na direção dele. Soma preparou-se para correr, mas a mulher o chamou:
- Espere! Está vindo de Horváth?
Soma parou.
- Passei por Horváth faz três dias; acho que não tem mais ninguém vivo lá. Se ainda houver, os militares devem estar dando cabo deles.
A mulher fez um gesto de cabeça, desalentada.
- Para onde você vai?
- Eu não sei... - admitiu Soma. - Para algum lugar onde não atirem primeiro e perguntem depois, imagino...
A mulher em contraluz apoiou os braços esguios no parapeito da janela.
- Se qualquer lugar serve, talvez queira passar um tempo aqui. Acho que é seguro, há dias que não vejo ninguém, só ouço as sirenes na estrada...
- Eu tenho pouca comida... - comentou Soma cautelosamente. - Se o seu convite se baseia na possibilidade de algumas refeições extras...
- Aqui há comida bastante para meses - redarguiu a mulher. - Mas como saber se iremos durar tanto, não é?
Soma, certamente, não sabia. E tinha muito pouco a perder.
- Está bem; vou aceitar o seu convite - declarou.
O vulto da mulher desapareceu da janela. Soma ouviu os passos dela descendo uma escada, e em seguida, o girar de uma chave na fechadura. E ali estava ela, diante dele, usando um velho roupão sobre um vestido caseiro; ainda era bonita, apesar das nódoas azuis no rosto e nas mãos.
- Eu sou Dalma... e estou contaminada - alertou.
Soma fez um gesto de cabeça. Dificilmente uma mulher sozinha o teria convidado se não estivesse, pensou.
- Me chamo Soma... e estou na mesma condição que você.
Ela afastou-se para deixá-lo entrar. Ali dentro havia luz, calor e também um pouco de humanidade. Soma não poderia esperar muito mais do que isso, em seus últimos momentos neste mundo...
- [01-04-2022]