Refém do Passado
Sempre que voltamos para um lugar que marcou de forma negativa nossa vida, o sentimento de insegurança é predominante, e ele sempre nos domina.
Foi dessa forma que me senti quando voltei para a chácara onde vivi por sete anos com minha filha.
Já faz quase um ano que ela está abandonada, e dessa vez ao passar em frente eu decidi parar o carro e fazer uma visita. Estou sozinha, a agonia me domina, e ao me aproximar da casa sinto uma sensação esquisita.
É como se fosse uma culpa, um ódio de mim mesma, abalada por tantas incertezas.
Sou dominada pelo medo e por ele me sinto indefesa.
Mesmo sabendo que não sou culpada de nada, essa sensação me abala, me deixa perturbada, estou assustada.
Observo por alguns minutos a casa e entro um pouco preocupada, esse lugar me deixou muitos traumas.
Algumas lembranças retornam a minha mente.
É uma mistura de sentimentos do passado que agora voltam para assombrar o meu presente.
Gerando uma intensa confusão em meu subconsciente.
Alguns móveis me trazem recordações que sinceramente não são nenhum pouco agradáveis.
Imagino a foto da minha irmã sobre a velha estante, ela e minha filha eram inseparáveis.
A minha irmã gostava tanto dela, quando ela vinha nos visitar passavam a tarde inteira brincando.
Sento no sofá e viajo em meu passado, memórias que vão me machucando.
Logo penso que devo ir embora, mas não consigo, é como se as recordações tivessem me segurando.
Nesse momento tenho a grande sensação de que alguém passou correndo no corredor da casa.
Levanto preocupada, será que é minha filha? Talvez esteja precisando de minha ajuda, sinto que ela está assustada.
Preciso vê-la, quero encontrá-la e abraçá-la.
Não pode ser, não é real, é tudo ilusão da minha cabeça, não posso me render a tristeza, preciso superar esse trauma.
Quando eu cheguei aqui o lugar estava vazio, não é possível que exista alguém aqui dentro, mas sinto que estou sendo observada.
Nessa hora um vento forte fecha com violência a porta da sala.
Ouço novamente alguém correndo pelo quarto, agora parecia uma criança.
Tenho certeza que era ela, sinto um frio na espinha, caminho insegura seguindo o barulho.
O som vem de dentro do quarto da minha filha. Oh minha amada filha, onde você está querida?
Alguns brinquedos velhos estão espalhados pelo chão, quanta saudade, penso em várias coisas nesse momento.
Mas essas lembranças só me trazem sofrimento, sinto um cheiro de algo queimando, está vindo da cozinha,
desesperada eu saio correndo.
Meu coração dispara, minha alma gela, presencio a minha filha sendo queimada viva.
Sim, é ela mesma, a minha doce filha.
Não tem água para apagar o fogo, ela grita de dor e agonia, eu entro em desespero.
Estou com medo. Nessa hora a minha irmã se aproxima.
Ela me empurra com força para fora da cozinha e joga rapidamente uma bacia de água em cima da menina.
Dominada pelo sofrimento eu tento pegar a minha doce filha, mas a minha irmã não permite que eu me aproxime.
Ela está me culpando de eu ter colocado fogo na criança, dizendo que eu não sou de confiança.
Ela pega a menina que grita de dor e a carrega até o seu carro dizendo que a levará para o hospital.
Estou me sentindo fraca, eu sofro por me sentir culpada, mas de repente eu vejo uma garota andando em minha direção.
Parece tanto com a minha filha, um pouco mais velha, eu sinto uma sensação de punição em meu coração.
Nessa hora é como se um arrependimento nascesse dentro de mim, percebo que ela está infeliz.
Seu semblante é de dor, ela corre até mim.
Me sinto como se eu estivesse tendo uma segunda chance para lhe dar amor.
Recuperar o tempo perdido que tanto me machucou.
Ela me abraça e eu começo a chorar, eu precisava tanto eliminar esse peso, ela diz que me amava e não queria me abandonar:
- Não se preocupe filha, eu jamais vou te deixar.
Ela me pergunta se eu quero ir junto com ela para nunca mais nos separar.
Eu digo que sim, e dessa vez viveremos unidas eternamente sem mais sofrimento em nosso olhar..
"No dia seguinte um morador vizinho encontra uma mulher morta dentro da casa abraçada com uma boneca, o homem a reconheceu como sendo a mesma mulher que havia morado ali a oito meses atrás, e que tinha perdido a sua filha morta em um incêndio que se espalhou pela casa."