A árvore de natal macabra

Maria era uma criança feliz e popular. Aos nove anos de idade estudava numa conceituada escola particular. Morava numa casa grande e possuía uma família muito afetuosa. Mas a garota apesar de ter tudo, era teimosa e desobediente. Sua mãe era insatisfeita com as atitudes da filha e apesar dos inúmeros castigos, Maria continuava a dar-lhe muito trabalho.

Naquela ensolarada manhã, Maria acordou bem cedo e foi até a casa da amiga Ana para juntas se divertirem na pracinha da cidade. Era outubro, mês em que se comemora a semana da criança. Não haveria aulas naquela semana e a prefeitura da cidade promovera um “festival de palhaços”, com artistas fantasiados chegando de todos os cantos do país, e que além de divertir as crianças com malabarismos e anedotas, distribuiriam brinquedos e guloseimas a todos que comparecessem ao evento. Por ser uma cidade pequena as crianças tinham o costume de andar desacompanhadas dos pais, desde que respeitassem as regras estabelecidas pela família e estivessem em casa até a hora do almoço. E lá se foram elas, Ana despediu-se da mãe com um abraço e prometendo-lhe que não se atrasaria para o almoço ao meio-dia.

Na pracinha elas se divertiram de montão, juntaram-se as outras crianças e fizeram muita folia correndo atrás dos palhaços e rindo de suas estripulias. Num piscar de olhos os ponteiros do relógio da igreja marcavam 11h30min e já estava na hora das duas meninas se despedirem dos amigos.

Ana ao se dar conta da adiantada hora chamou por Maria para juntas retornarem pra casa, pois sendo uma criança obediente pretendia cumprir o horário determinado pela mãe. Mas Maria não pensava em voltar tão cedo pra casa e já havia se distraído com um palhaço que distribuía balões de gases coloridos. Ana ainda insistiu apelando para o bom senso da amiga, mas quando viu que seria inútil, decidiu ir embora, pois os ponteiros nervosamente giravam e o aproximar das badaladas do meio dia não tardariam a soar. Ana partiu só.

A farra de palhaços prosseguia. Algodão doce, balas, e divertidos balões em formato de bichos foram distribuídos à regalia, a prefeitura que patrocinava o festival de palhaços não mediu esforços para alegrar as crianças naquela feliz semana.

As doze badaladas

Antigamente nas pequeninas cidades do interior de Minas, existiam os sineiros, que eram as pessoas responsáveis pelo bater dos sinos das igrejas. E todos os dias em horários específicos as badaladas ressoavam melancólicas sobre a cidade.

O sineiro do alto da torre da igreja pôs-se a bater o sino.

Blém-blém, blém-blém, blém-blém...

O palhaço que usava chapéu de Arlequim aproximou-se da menina. Vinha trazendo um reluzente balão negro em formato de coração e com a outra mão ele segurou a mão de Maria. Antes de deixar a praça ele ainda olhou para o alto.

A cantilena prosseguia.

Blém-blém, blém-blém, blém-blém...

Anos mais tarde as pessoas se perguntariam por que Maria teria se deixado levar tão facilmente pelo esquisito palhaço do balão preto. Por que Maria não gritou, por que ela não correu?

Em poucas linhas narrarei, conforme confiou-me à enfermeira, Georgina Freitas do Prado, em história a ela contada por Anastácio Catarino de Oliveira, residente do asilo Madre Benedita na cidade de Itaguara, Minas Gerais. Os fatos acontecidos naquela fatídica manhã na semana da criança e que culminaram com a morte da rebelde Maria.

...

Aproximou-se o Arlequim da menina arteira oferecendo-a o sinistro coração negro. Deslumbrou-se a ingênua Maria, pois metida como era, achava-se mais esperta que as outras crianças. O Arlequim pegou em sua pequenina mão e a convidou para admirar a arvore de natal que já começava a preparar para a chegada do menino Jesus e que por sinal já dormia maroto debaixo dela.

_Mas não é muito cedo para montar a árvore?

O Arlequim olhou para o alto e respondeu:

_Para Jesus sempre o melhor!

E partiu silencioso com Maria.

O desfecho desta triste história que contarei a seguir, conforme as palavras de Georgina Freitas do Prado aconteceram da seguinte maneira...

Andaram os dois por horas, Maria já não agüentava mais. A cidade a muito ficara pra traz e só ao cair da tarde foi que adentraram em fechada capoeira. A menina chorava arrependida pela maldita aventura e implorava pra voltar pra casa, mas o silencioso Arlequim, já sem paciência, dava solavancos e bordoadas na criança para que apressasse o passo, mas vencida pelo cansaço ela caiu de joelhos e o palhaço impaciente a atirou em suas costas.

Enfim chegaram a uma casinha de madeira no meio da mata fechada. Um lugar perdido, cinzento. Um lugar perfeito pra morrer.

Arremessada ao chão, o Arlequim com um gesto de ensaiada cortesia a conduziu para o quintal que dava pros fundos da casa. A menina haveria de admirar a sua extraordinária árvore de natal, afinal, Jesus merece sempre o melhor!

Erguendo-se orgulhosamente em terra firme, um estranho e enfeitado pinheiro bailava sensual exibindo-se para o vento. Um cheiro forte de tinta causou náuseas em Maria, que levantou os olhos. Entre as lágrimas e a luz que a cegava ela não pôde distinguir o que decorava aquela sinistra árvore de natal. Parecia-lhe que dezenas de olhinhos coloridos a encaravam zombeteiros. O palhaço gargalhou e com o dedo pontiagudo apontou para um galho nu:

_Vês aquela rama? Amanhã estarás a enfeitar-lhe!

O menino Jesus sorria debaixo da árvore.

Mas antes de tombar sob a lâmina afiada do facão, Maria pode enxergar que aqueles enfeites que a fitavam eram crânios humanos pintados com tinta vermelho-sangue. E aquela foi à última visão de Maria.

Para Jesus o melhor!

No domingo de encerramento da semana da criança, um vendedor de própolis encontrou um corpo decapitado às margens da rodovia. Um chapéu de Arlequim fora grotescamente colocado acima do pescoço, substituindo o que antes fora a bonita cabeça de Maria. O rapaz fez o nome do pai e partiu veloz para a delegacia.

O culpado nunca foi capturado, especula-se que o assassino fosse algum morador local e não um palhaço que viera participar do festival, já que eles foram minuciosamente investigados pela polícia e impedidos de deixar a cidade durante as investigações da morte de Maria.

Ressalva:

Anastácio Catarino de Oliveira era avô paterno da menina Ana Oliveira e um detalhe curioso é que um mês após o corpo sem cabeça de Maria Morais ser encontrado, o sítio onde ele residia foi devorado por um famigerado incêndio. Não sobrou um graveto sequer. Anastácio Catarino vendeu aquele pedaço de terra e deixou a cidade para sempre.

Para Jesus sempre o melhor!

Amém!