Um Mundo Totalmente Disforme

Era demasiadamente tarde naquela sexta feira, uma penumbra trespassava as ruas estreitas da cidade e emergia em meu corpo uma sensação claustrofóbica de medo e angustia. Mas nada seria mais perturbador do que os fatos que deveria relatar ao parapsicólogo Alberto Rocha, um homem de meia idade, de cabelos grisalhos e inapropriadamente acima do peso, mas em equilíbrio com a sua falta de virtude em beleza, sendo ele é um dos mais renomados autores no ramo de parapsicologia e investigação paranormal.

Quando cheguei ao seu escritório naquele dia ele estava um tanto quanto preparado para as eventualidades, mesmo sendo uma pessoa que vivia no centro, tendo um apartamento de alto padrão e que poderia se gabar de toda sua confortável comodidade, ele parecia sempre perturbado por constantes vibrações negativas, que eu mesmo as podia sentir, mas me acostumei a suas presença bem como também nunca me importei na realidade.

Na mesa do seu escritório haviam três equipamentos, um gravador de voz, um detector de energia eletromagnética e um cubo transparente fechado de todos os lados e com um arame em seu centro que prendia do teto um pedaço de papel, claramente para verificar alguma interferência na deslocação do ar sem que o próprio ar ambiente pudesse atrapalhar.

Eu não sei como descrever aquele ambiente, mas eu estava mais a vontade, talvez por conta de alguma excitação aleatória e eventual ao longo do dia. De qualquer forma, a sessão começou rapidamente.

As perguntas de Alberto naquela noite foram diferentes das dos demais dias, ao invés de me perguntar o que eu fazia perambulando pelos afastados prédios e construções da cidade, ou mesmo, questionar a mim uma provável novidade no meio transcendente em que vivo, na verdade, ele me questionou sobre quais eram as sensações frente aos que podem interagir com a matéria.

Pude responder com tranquilidade o seguinte para meu audiente:

- Tenho tido muito pouco tempo para me aproximar das outras formas, me apeguei demais a minha propriedade no sul de Minas Gerais, uma fazenda rodeada por matas virgens . Na verdade me recordo que a alguns meses atrás recebi a visita de um Bem-te-vi charmoso, que em minhas experiências quando historiador, sempre me deparei com a veracidade por trás do pituã, que conforme diziam alguns antigos povos indígenas " certas espécies parecem pressentir os translúcidos".

Alberto fez outra pergunta imediatamente a esta resposta, sua seguinte pergunta só poderia guiar uma resposta que estava além de qualquer conjectura.

- E como você descreve seus sentimentos? - Disse Alberto. - Digo, acho que nunca conversamos apropriadamente sobre isso, mas faça o seu melhor para descrever isso para mim por favor.

Enfiei minha mente nas entranhas imateriais da minha existência e pela primeira vez após muito tempo refleti sobre tal questão.

- Não possuo um sentimento igual os vivos, pelos motivos mais óbvios, pois não possuo hormônios, sistemas nervosos, pele, ossos, sangue... absolutamente nada disso. Mas antes que queira me questionar do que sou feito, saiba que como não podemos interagir com a matéria, somos limitados a "algo" singular, acho que é a melhor forma de descrever o que somos. Mas voltando a sua pergunta, creio que sou guiado por afeições rudimentares para quando estava vivo, ou seja, estou em um estado que só consigo agir ou me mover mediante influências externas. Algo como, uma incitação que me causa uma movimentação.

- Fantástico. - Disse Alberto. - Estou realmente impressionado com a liberdade e abertura da nossa conversa hoje, por mais que sempre costumam acabar rapidamente, pelo estado de como as coisas são.

Realmente foi uma noite agradável, mas meu tempo de interação é limitado, a luz que antes me preenchia de vida, agora me provoca um tipo de interação detestável, como se estivesse me repelindo do ambiente. Se eu me recordo bem, este tipo de acontecido pode ser descrito por um tipo de sentimento, em meu corpo seria "dor" mas em meu sentimento seria "solidão". Exatamente, creio que seja este o sentimento que posso descrever, se não me falha a memória. Pois os raios de luz me provocam este tipo de reação, uma vez que sinto até o "algo" que me compõe se diluir, mas não me questione a respeito disso, não posso me aprofundar para mais além do que já consigo descrever.

Agora viajo, mais rápido que um sonho para o local onde posso transformar boas lembranças em algo mais próximo do que já não mais possuo... ou seja, um sentimento de estar vivo.

Saah__
Enviado por Saah__ em 26/01/2022
Reeditado em 06/05/2022
Código do texto: T7437966
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