Decepção

Por idas e vindas no cemitério, ela ficou observando Cecília, uma jovem que morreu nova, por lamentavelmente, suicídio. Soube disso, pois, um familiar estava papeando sobre a jovem; mostrou fotos de família e tudo mais. Cecília estava ao lado do jazigo de seu ex-marido Antônio. Homem brincalhão e carinhoso, mas infelizmente, adorava se embriagar. Ela acha tão injusto esse tipo de coisa como o de Cecília, uma moça tão linda tendo este fúnebre ato. Não entendia o porquê de tragédias como essas ocorrerem semanalmente na cidade em que se habitava. Em contrapartida, a oposição deste tipo de pensamento: seu marido não dava importância alguma às tragédias, isso estando sóbrio. Era de fato sua opinião sobre tal. Até julgava quem morria como pessoas desleais à vida.

Certo dia Antônio arrumou as malas afoito, disse ter uma viagem urgente para fazer. Um primo dele estava doente e ele o precisava visitar enquanto ainda dava tempo. Puxou seus cigarros, pegou algumas roupas, junto ao seu uísque e foi-se com o caminhão a tal local.

Neste mesmo dia ela teve um pressentimento, pensou que algo ruim iria acontecer, que uma imanente dor assolaria seu peito envolvendo Antônio. Sentiu-se mais triste do que as noites mal dormidas por brigar com o homem, pelas vezes que pegou garrafas escondidas no sótão, onde ele lhe prometia que já não ia mais beber, que tinha parado e toda aquelas alforrias que dizia ter. Das vezes que chorou, mas que sabia que iria passar a constante angústia com seu marido. Tragédia! Ela acertou! Antônio bateu contra uma pick-up em alta velocidade. Destruiu toda a arcada dentária. Um horror, o velório foi pior ainda por sequer poder olhar pela última vez o seu marido bebum.

Nunca esqueceu Antônio, por isso ao menos uma vez na semana ia ver seu jazigo, lamentar, chorar e relembrar dos bons momentos que tiveram, mesmo que poucos. Foi uma vez vê-lo, contudo, não esperava que lá estava uma parente de Cecília. Dessa vez com uma foto na mão. Conversando um pouco com a parente a alguns metros de distância, enquanto ela com passos lentos vinha ao jazigo de Antônio, viu que a cara dela não era tão boa, parecia preocupada. Foi então que ela inclinou seu braço para mostrar a foto: Antônio e Cecília sorrindo juntos. A familiar disse que achou essa foto escondida embaixo de algumas bonecas que Cecília gostava, assim com uma carta de amor dedicada a Antônio. Cecília morreu pela morte de Antônio. O homem tinha uma amante esse tempo todo. Ela leu a carta com um rosto sério, totalmente apático; parecia que em poucos segundos que o sepulcro de sua alma se juntaria ao cemitério. Inerte na expressão, foi embora sem palavrear uma única frase.

Já em casa ficou parada olhando o teto. A lágrima da amálgama de ódio e tristeza logo se exauriu de seu rosto. Tudo isso para nada, sofreu a esmo nas mãos de um sujeito pífio, de índole insolente. Mas no fundo, reconheceu que aquilo não era surpreendente, até porque as gotas de álcool pela garganta, as lágrimas em vão e tudo aquilo era o símbolo da sua imutável decepção.

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 10/01/2022
Reeditado em 28/02/2024
Código do texto: T7426566
Classificação de conteúdo: seguro