A CASA DA PRAÇA 182
- Pronta para irmos?
- Estou quase terminando aqui. Falta apenas a mala rosa, - Respondi para minha irmã com uma certa angustia.
Ela olhou para mim e saiu. Fiquei sozinha no quarto tentando organizar o que faltava para seguirmos viagem a Serra Branca, cidade do interior da Paraíba, onde meus avós nasceram e eu fui criada até os 12 anos. Vinte anos após minha partida, retornarei convicta de que terei muitas recordações, lembranças pelas quais fizeram parte de minha infância. Meus pais, por motivos financeiros, tiveram que ir morar na capital, João Pessoa, fomos juntas com eles até os dias atuais.
As coisas mudaram muito. Fiz faculdade de História e minha irmã, Economia. Nossos pais nunca deixaram faltar nada, maiores incentivadores da nossa independência. Os pais da minha mãe nos visitavam com certa frequência, até que um dia, uma fatalidade acometeu meu avô Inácio e seu falecimento abalou a estrutura familiar, principalmente, a minha vô Lourdes que não aguentou e também faleceu meses depois.
Com toda essa “tragédia”, digo tragédia porque para mainha foi terrível perder os pais no mesmo ano, sendo filha única. A verdade é que eles já estavam velhinhos e a partida seria iminente.
Narrei dessa forma a trajetória resumida da minha vida para vocês entenderem a nossa ida para um lugar em que eu esperava nunca mais voltar. Bem, a pedido da minha mãe eu e Gilda(irmã) demos a nossa palavra que iríamos resolver as coisas relacionadas a venda da casa e tudo por lá.
Algumas horas se passaram, e estávamos nós, dentro de um ônibus lotado, pois ele faria escala em várias cidades antes de chegarmos ao nosso destino. Como de costume peguei o meu livro de romance e desliguei-me do mundo, enquanto minha irmã não largava o celular.
Enfim chegamos! Achei que não teria fim nunca. Passava da meia noite e uma prima da minha mãechamada Maria, ao qual eu não lembrava, estava a nossa espera. Uma senhora simpática, cheia de graça.
- Olá meninas, quanto tempo, né! Nossa como estão bonitas e crescidas. – Exclamou bem alegre.
Nós apenas sorrimos e quase a fiz lembrar de que passara-se 20 anos e obviamente, estaríamos crescidas. Para não estragar tudo, resolvi ficar calada. A cidade mudou muito, porém as recordações vieram quando vi a igreja da cidade. Meu coração palpitou de saudade. Ela nos levou para sua casa para descansarmos da viagem, no dia seguinte iríamos a casa da minha finada vó.
Vi praticamente o dia amanhecer. Cama estranha, quarto estranho, tudo estranho. A Gilda dormiu feito uma pedra. Não sei como ela consegue. Bem, acordamos cedo, ficamos ansiosas para irmos logo até a casa da praça 182, como era mais conhecida. A prima Maria sempre gentil, deixou-nos a vontade para escolher onde ficar: na casa dela ou na casa da vó Lídia. Decidimos ficar na segunda opção.
Quando entramos vimos todos os móveis cobertos por cobertores brancos. Tudo bem conservado, porém um pouco empoeirado. Lembro de mainha ter mencionado sobre alguém que era pago para fazer a faxina, mas pelo jeito não pisava ali fazia um tempo, usufruindo do dinheiro da minha mãe.
-Tem certeza que devemos ficar aqui mesmo? – Perguntou minha irmã toda chateada.
- Sim. Depois que dermos uma geral na casa, ficará com outro aspecto, menos assustador. – Argumentei com otimismo. - Ficaremos bem!
Os dias foram passando rapidamente e vários compradores apareciam, olhavam a casa e deixavam promessas que ligariam depois. Contudo, nada do retorno. Já estava ficando preocupada, pois restavam apenas vinte dias. As fériasestavam por acabar. Tirei aquela tarde para vasculhar o quarto que pertencera a vó Lídia. Espaçoso e arejado, ótimo para um cochilo. Sentei-me na cama fofinha e debrucei-me para apoiar-me melhor, e dormi. Acordei meio que assustada, cocei os olhos e lembrei que eu ainda estava nos aposentos de minha avó.
Aproximei-me das gavetas do guarda-roupa, todas cheias de papéis. Até que encontrei um pedaço de tecido antigo, parecia seda. Estava bordado com um desenho cheio de setas. Junto a ele tinha um bilhete que dizia:
“Querida netinha, se você está lendo isto é porque eu morri. Deixei de propósito, pois sei que és a única que se interessaria pelas minhas coisas. Sempre foi curiosa e inteligente o suficiente para entender a mensagem que deixei para você decifrar. Este pedaço de tecido pertenceu ao meu avô Chico, e portanto seu tataravô. Ele sempre dizia que o desenho bordado nele é um mapa que a levará até uma botija cheia de moedas valiosas, encontram-se em algum lugar da casa. Nunca consegui entender o desenho do mapa. Por isso quero que procures enquanto é tempo, ache-a e sejas feliz.
Ah, já ia me esquecendo: dizem que o fantasma dele ronda o lugar em que a botija foi escondida. Siga as pistas e não tenha medo.
Sua avó Lídia”
Quase caí durinha com o achado. Uma botija, Meu Deus! Será mesmo verdade? Bem, só há um jeito de descobrir: seguir as pistas do tecido. Comecei a olhar com mais atenção o que realmente estava desenhado e pude ver uma casa, ao lado um árvore grande e por trás dela, havia um corredor e era lá que a tal botija estaria escondida. O problema era que o tal mapa fora desenhado há pelo menos cem anos atrás, e nada é igual àquela época. A tal árvore não existe mais e nem a casa também. A única coisa igual é o tamanho do terreno. E só.
Saí do quarto às pressas pensando como eu faria para saber exatamente a posição da casa e da árvore. Pensei, pensei e tive uma ideia. Fui até um armário onde ficavam algumas fotografias antigas. Passei o restinho da tarde em busca de alguma foto que tivesse pelo menos a casa ou a árvore. Mas não tive sucesso. Quando já estava dando-me por vencida. Chegou a prima da minha mãe querendo saber se estávamos bem. Aproveitei para enche-la com perguntas do passado, na esperança de que soubesse de algo.
- Minha querida prima, eu era muito pequena, mas lembro-me brevemente de um pé de manga que ficava ao lado onde hoje é a garagem e o quartinho da bagunça. – Ela falou apressada apontando para o lado esquerdo bem aos fundos da casa atual. – E a casa grande tomava todo este espaço onde estamos e mais um pouquinho a esquerda. Minha mãe dizia que tomava todo o quintal.
Assim que ela foi embora corri para os fundos da casa em busca de uma pista. Todavia, nada encontrado. Os dias passaram e nada. Agora em menos de dez dias, voltaria para a capital sem saber a verdade.
Numa última tentativa, fui distraidamente até o canto do muro e percebi uma elevação, agachei-me e comecei a retirar toda a terra até que encontrei uma portinhola de madeira com uma argola de ferro. Fiz força para puxar, e mais força, quando já estava desfalecendo, ela se abriu e um vento quente saiu de lá. Já era noite. Lembrei que minha avó dissera no bilhete a respeito do fantasma do meu tataravô. Um calafrio percorreu minha espinha, mas eu preferi não acreditar. Liguei a lanterna do meu celular e desci a escada bem devagar. Aff! Vi ratazanas atravessarem bem na minha frente, quase morri de susto. Peguei o mapa e olhei o desenho, teria que ter uma porta à direita. Andei mais um pouco e ali estava a bendita porta. Apertei o trinco, estava enferrujado e ruim de abrir. Tentei mais um pouco, quando ouvi passos do outro lado, como se viesse em minha direção. E estavam cada vez mais próximos. Achei que era minha irmã.
- Gilda, é você? Gilda??? - Quase gritei.
Silêncio!! Logo depois um gemido foi ouvido. Os passos cada vez mais próximos. Um vulto assustador aproximava-se. Não suportei e saí correndo dali o quanto antes. Não aguentei e deixei o pânico dominar-me. Corri tanto, uma eternidade para chegar a entrada. Tranquei a portinhola, desmaiei do susto.
Horas depois acordei. Estava no quarto da minha avó.
- Você foi encontrada desacordada no quintal. Eu e prima Maria a trouxemos para cá. - Exclamou minha irmã curiosa. - Por que você estava no quintal aquela hora, no escuro? Você tem cada mania esquisita. - Fez a pergunta sem esperar resposta, saiu do quarto deixando-me sozinha.
Levantei-me, deixei todas as luzes acesas da casa, tranquei tudo também. Não sei quem ou o quê estava ali, só não fiquei para saber quem era. A Gilda estranhou, e perguntou:
- Está tudo bem? Você parece nervosa! – Quis saber, mas preferi desconversar.
E assim, como pretendido, dias após o ocorrido, vendemos a casa e fomos embora. O medo não me deixou saber se realmente haveria alguma coisa naquele pequeno túnel.
[...] Alguns meses depois fiquei sabendo que a construtora que comprou a casa da vó Lídia, após demolir a casa, escavou o terreno para a construção de um prédio residencial. Um dos tratores encontrou um embrulho estranho e o motorista ao tentar rasgá-lo teve um surto, alegando estar sendo atormentado psicologicamente. Depois disso, o embrulho sumiu sem deixar rastro. As obras continuaram e um edifício foi construído no lugar. Atualmente, os moradores do prédio alegam escutar vozes nas madrugadas vindo da garagem.
DÉBORA ORIENTE