O homem da garrafa
Contos-->O homem da garrafa -- 20/10/2020 - 20:23 (Brazílio) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vou juntando os cacos de memória para chegar ao homem da garrafa sob os pés. A figura, no entanto, é clara demais para ser esquecida, de inusitada que era para um guri de seus seis anos.
E ecce homo: a personagem garrafalmente lembrada era o Ignácio Camilo, primogênito de uma extensa irmandade. Magro, encovado, de deitado que estava, sentou-se na cama para nos receber, e rolar a garrafa verde com os pés, calçados de meias amarronzadas. Tinha sido submetido a uma operação delicada, e ali convalescia. Era o que se dizia e se cria.
E a visita foi breve como soía. Tia Isabel, papai e acho que tia Lia sabiam-no, dolorosamente. Não cabia explorar uma agonia. E ainda tínhamos que pegar a jardineira do Tonico Caldas pra voltar pro Brumado, a uma légua da cidade. Bebel, eu e o mano Beu não tínhamos o entendimento para além da imagem garrafal. A casa, com a mesma fachada de hoje - uns sessenta e cinco anos decorridos - fica na bem na pontinha mais fina da praça do jardim triangular central e mais charmosa de Pitangui... Nos anos subsequentes, passou às mãos de um fazendeiro/industrial muito considerado na cidade, o Fifi, pai de família numerosa e muito bem criada. Fifi era Gabriel, de pia, e se destacou ainda na edilidade, em tempos em que a vereança era um sacerdócio digno e não-remunerado.
Uma requintada campa em que repousa o homem da garrafa, traz mais algum dado biográfico, além das lembranças imorredouras de seus próximos e pósteros, sempre reafirmadas com velas e arranjos florais: falecido - se não me falece agora a memória - em 1956.
Nossas famílias, Camilo e Miranda, tinham um ponto de entrelaçamento: meu avô paterno, Velusiano, seleiro curvelano, nascido em 1859 e falecido provavelmente em 1939, tivera a infelicidade de enviuvar por quatro vezes, até o seu quinto e final casamento. E em duas dessas oportunidades desposara irmãs Camilo, possivelmente tias do homem da garrafa, com uma das quais, Constância, tivera quatro filhos, Maria, Francisco, José e João. Ao José, o Tizé Velu, ainda cheguei a conhecer pessoalmente. Herdara do pai a habilidade de lidar com o couro, mas suas companhias mais frequentes eram o violão e o maço de Douradinhos...