A Matinta - PARTE UM
Estela, debruçada sobre o parapeito da janela com o olhar seco; na busca de lágrimas para umedecer seus lindos olhos escuros e vim lhe trazer consolo ou até mesmo uma explicação para a perda prematura de seu único filho de dois anos, o lindo menino Gabriel. A criança morreu duas semanas atrás de febre tifoide; pois algo um tanto comum para um ribeirinho daquela longínqua região.
A casa de madeira próxima ao rio estava vazia, sem os gritos, choros e gargalhadas do menino que era sua alegria. Agora quem seria o seu companheiro nas noites? O marido morreu engolido por uma sucuri, que o derrubou de sua canoa enquanto puxava o puçá com o siri. Os comentários entre os pescadores da região corriam longe e sempre escutava as vizinhas fofoqueiras comentando por detrás dela; comentários maldosos e que só lhe trazia tristeza ao seu coração, porém o pior dos comentários era o estigma que carregava, pois, ela era filha da Matinta Pereira. Sua mãe Ondina morreu, e ela não aceitou a sina e não queria a maldição em sua vida, afinal, o preço que pagou foi alto.
Não suportava essa vida, seus pensamentos, já não mais pertenciam a si mesma, se sentia culpada pela morte de seu filho e sabia que tudo aconteceu por não aceitar o fardo, de ser a matinta.
Decidida de sua escolha, numa sexta-feira próximo do meio dia, Estela foi até a beira do rio, soltou a corda da canoa, subiu na mesma e começou a remar rio abaixo. Umas mulheres lavavam roupas na beira da ponte de madeira a viram remando. — Diacho, para onde Estela vai? — Essa foi à pergunta que ficou sem resposta. No dia seguinte, logo pela manhã, dona Noronha foi até a casa de Estela, mas encontrou fechada, bateu por algum tempo, e nada; chegando a olhar pela greta. — Valha-me Deus, Estela sumiu. — Não demorou muito, todos já sabiam do desaparecimento de Estela.
— Temos que ir até Belém para dar parte do sumiço dela.
— Larga de ser besta Raimundo, os “homem” não procuram os de lá, imagina os de cá! — Replica a mulher.
E assim passaram-se dias, semanas e nada de aparecer até que um dia as mulheres lavavam roupas na beira da ponte quando olham uma canoa à deriva e reconhecem que é de Estela, e gritam por ajuda. Não demorando muito uns caboclos aparecem, pegam outra canoa e remar até se aproxima da mesma; ao olharem dentro. — Nossa Senhora de Nazaré… — O caboclo fazendo o sinal da cruz. — Eles encontraram somente o vestido e uma calcinha, eles se olham sem entender nada e voltam para margem rebocando a canoa com as tais roupas. — Essa roupa aí e da Estela, eu vi quando ela passou nessa canoa remando. — Uma mulher fala, desconfiada.
— Nossa Senhora, protege-nos, ela seguiu a sina da finada mãe. — Dona Noronha fazendo o sinal da cruz.
Ao cair da noite, todos fechavam suas casas com medo da Matinta Estela bater nas suas portas para pedir tabaco e no caso isto venha acontecer a vila esvaziou o estoque da taberna de seu Manuel, que ficou com o sorriso largo no rosto.
As crianças dormiram cedo, antes das 19hs00, não se ouvia um barulho a não ser dos grilos e alguns sapos. Os homens em suas casas ficavam deitados em suas redes esperando aquele assovio. Enquanto, algumas mulheres preferiam ficar rezando diante da imagem de nossa senhora de Nazaré, sobre a luz de lamparina e isto repetiu-se por muitas noites, e nada de Matinta ou algum assovio. A comunidade resolveu dar a Estela como morta ou a desculpa de que provavelmente foi engolida pela cobra grande.
A vila voltou a sua rotina normal, passou-se tempo e ninguém nem ao menos se lembrava de Estela.
Numa noite como era de costume seu Raimundo saiu para pescar e depois de algum tempo parou a canoa no meio do rio, iluminado apenas pelo luar e a lamparina ouvia-se somente o som de seu pequeno rádio de pilha. Algo puxou a linha.
— Isso, só espero, que não seja bacu. — Ele puxava a linha e nada, era algo mais forte do que ele até que arrebentou a linha de náilon. — Égua que forte, deve ter sido algum peixe-boi. — Raimundo resolveu remar para outro lado.
Atrás dele, forma-se uma onda e da mesma emerge uma enorme cobra que se eleva acima do leito do rio e o abocanha. Ainda se debatendo grita; e a mesma, o leva para as profundezas do rio. Na vila, algumas pessoas ouviram o grito de longe.
— Tônio, acorda. — Balançando a rede dele.
— O que é mulher? — Sonolento.
— Alguém gritou longe…
— Deixa quieto deve ter sido tua mãe, que se espantou com a cara do teu pai, vai dormir e te embrulha por causa do carapanã.
— É sério homem. — Tônio vira e volta a dormir.
Dona Antônia dormia sossegada quando escutou alguém bater na sua porta. Ela se acorda e de sua rede olha para a porta, já que dormia na sala. O medo toma conta dela, que chega a tremer até os punhos da rede. Outra vez batem. Os olhos arregalam-se. Batem novamente.
— Quem é? — Com a voz trêmula.
— Eu quero tabaco.
A respiração de dona Antônia fica ofegante de tanto medo, mas mesmo assim levanta bem devagar. Passa pelo penico, perto da cadeira e apanha um maço de tabacos enrolado numa folha de jornal, engatado na “perna-manca” da parede. Caminhando em direção à porta lentamente. Com uma das mãos solta a tramela e logo depois a segunda e passa o tabaco pela porta entreaberta. Dona Antônia vê a mão com unhas longas e sujas pegando o tabaco e saindo correndo em direção ao mato. Dona Antônia fecha a porta rapidamente, sobe para rede e fica a se recuperar do que viu.