Insano Ego
Calado. Soturno. Gosto muito não. De pouco som. Mais atitude. Me rebuscando. Me sondando. Preciso. Passar a vida em branco? Tá doido? De ler muito. Culto. De parruda tenência. Resolvi ser niilista. Melhor. De armazenar lágrima no poço da alma. Sem torneira. Trinta anos. Remorso? Exilado de meu vocabulário. Dicionário empestado de traças. Visita dele alardeada pelos jornais. Nosso charmoso e amado presidente. Protestante. Noventa por cento de aprovação. Gentalha. Humano, honesto, justo, liberal. Diziam dele. Convivia cristãmente como todo tipo de religião. Oportunista. País melhorou muito. Pobreza reduziu, emprego aumentou, saúde melhorou, educação em níveis altissonantes. Idolatrado. E a esposa dele? Linda, culta, mãe exemplar. E os filhos? Que crianças lindas. Abençoadas. Um menino e uma menina. Viriam com ele? Gostaria de. Suas amantes: ansiosa pra ir ao desfile. Quero ver nosso amado presidente. Dizem que é mais lindo pessoalmente. Pena que a esposa não venha. Depois do gozo mandava-as pastar. Desenxabidas! Mulas! Montaria. Só. Que tens contra ele?, atreviam-se a. Olhos duros. Vazava-as. Eviscerava-as. Populista. Um riquinho mimado. Foi eleito sob o vil metal. Povo besta, manipulado. O outro também não ajudou. Feio, sem carisma, sob acusações de corrupção. Até os católicos votaram no bonitão. De lavada. Teve nem graça. E virou santo, herói, unanimidade. Ibsen desnudou a estupidez da unanimidade. Um Inimigo do Povo. Alguém leu? Duvido. Incultos intelectuais atribuíam a frase a outro. Um extrema direita. Escreveu umas peças obscenas e de apelo popularesco e ganhou fama. Uma bosta! Elas diziam: carregas o ódio do mundo todo em ti. Negativista. Amargo. Teu nome devia ser Amargo da Silva. Gostas de quê? De nada, acho. Devia? Muxoxos.
Tinha vinte anos quando leu a história de Dallas. Engendraram bem. Estava no youtube. Mãe sempre lembrava. “Tanto tempo e ninguém ainda sabe quem fez aquilo. Ele era tão bom.” Como todo bom niilista, curiosidade me aguçou. Entrei naquilo. Mataram o cara porque acharam que era comunista? Que raça obtusa! E se julgam os próceres do mundo! O cara era um fascista, odiava o comunismo. Cismou de sair do Vietnam. E era amiguinho de Kruschev. Tentaram Chicago e Miami. Num amplexo de bilionários e políticos. E o Serviço Secreto. Todos juntos vamos. Conseguiram. Criaram um patsy. No meio de um tanto de gente. Fui lendo e me arretando. Teve até filme sobre. Sério que acreditaram que foi só um? Aquilera trabalho de muitos. Off course! Na faculdade de jornalismo, estranhamentos. Por que agora? Um troço de 1963… Obsessão. Desatino. Mote. Peguei viola de repentista. Mote. Odiei o crente desde que ele foi eleito. Na cabeça, o mote: deixar meu nome na História. Hades e Sheol não existem. E se, tudo bem. Encontraria muito patife por lá. Enfiei-me em mim. Um túnel, eu. Cavei, cavei, me perdi nas sombras da lama dele. Odeio os cristãos!, gritei quando estava dentro de uma delas. Nos últimos espasmos de gozo ela gritou: louco, doido varrido! Esbaforida, a me xingar. Vais pro inferno, sabias? E num tou nem aí se acreditas ou não. Suados. Respirações entrecortadas. Disse vai-te! Ela me disse vou! E não ligues mais pra mim. Vestindo-se rápido. Linda! Que belo corpo! Os cabelos ondulados mareando-o. As curvas dela. Meu desejo feito carro desenfreado espatifando-se nelas. Sem semáforo. Vai-te!
Peguei catapora! Puta merda, logo agora! Chefe da redação: vais cobrir a visita do presidente. Fiz “yes”! E peguei catapora! Fui a um médico. Dermatologista: recuperação completa leva de sete a dez dias. Não tiveste na infância? Nunca tive doença. Com oito dias estava curado. E pronto. Cidade engalanada. Povo no cio. Imprensa do Brasil todo. Avenida principal sem fôlego. Pegaram os esmoleres e os esconderam. Em um mês pintaram os prédios. Pin-up de grafites. Quarenta graus! Staff do cabra: presidente desfilará numa limousine aberta, em pé, para que todos o vejam. Jovens moças de vestidos leves; jovens moças de shorts, seios à mostra; gritinhos orgásticos; senhores e senhoras bem vestidos, guarda-sóis; um conjunto tocando músicas folclóricas; o cantor mais famoso do país iria cantar o hino nacional. Pool de televisão e rádio. Eu dentro de mim. Frio. Iglu. Comitiva passando, eu na avenida, mão no bolso, crachá de jornalista. À vontade. Foi tão simples. A limusine passou a uns dez metros de mim. A Luger P08, comprada a um colecionador por uma fortuna, três disparos. Um na cabeça dele, um no vazio e outro no motorista. O quarto foi pra mim. Também na cabeça.