O Uivo dos Lazarentos
Ele cavalgou com vigor até apear-se no chão. Renunciava, ali, o alazão que em disparada zarpou faiscante. Aflito, apoiou-se na espada de aço que empunhava e rastejou para baixo de um ipê-amarelo. A neve ensanguentada que o soterrava manteve-o aquecido nos primeiros instantes, até que o frio incessante fez com que o sangue sobre seu rosto ardesse em frieza. As lesões torvas abriam uma lacuna para que a geada permeasse até os ossos entabulados que tremulavam por debaixo de sua carne pálida. Retirou da cintura o cinto e esgoelou a coxa que desbordava jorros de sangue; descavou do ombro com fúria um estrepe atravessado no deltoide posterior e com os dentes serrados comprimiu os lábios até esbulhar-lhe sangue entre os cantos da boca. Desmaiou.
Acordado pelos uivos dos lazarentos levantou-se o mais abrupto possível. Mancando, desenfreou-se ininterrupto pela neve penosa, deferindo na trilha o sangue que não parava de gotejar das entranhas que tencionavam para fora de seu talhe. Apoiava as mãos empedradas a cada passo sobre os joelhos que já não sustentavam seu corpo letargiado e quase desmembrado.
Não andando mais que alguns poucos minutos se arrojou ao chão, desferindo sangue pela goela, e quase tossindo os pulmões congelados para fora. Em estado lastimável, deixou que adentrasse na índole a neve que despenhava dos céus a jura que o trazia o sacrilégio. Escutou por detrás os passos dos tinhosos que percorriam os rastros de padecimento, delirantes pelo derreado que em quietude expectava aflito pelo último suspiro.
Petiscaram-no até que os seus últimos gritos fosse o eco que ricocheteava nas montanhas. Balancearam-no nas presas até que só lhe sobrassem abocanhados os membros usufruídos, e empanturraram-se até a última ínfima fração.
Os tinhosos agradados retornaram, arrastando pela neve o bucho entufado para nutrir os rebentos demônios.