Vítima(s)
No mundo de hoje, a cada ano, somos condicionados a temer mais o próximo quando estamos lá fora. Caso seja uma mulher andando sozinha à noite por uma rua e surge uma sombra masculina adiante na sua direção, esse condicionamento já lhe acusará de vítima. E não diferentemente, Martha foi educada condicionadamente por meio disso. Sua mãe, vítima de um abuso sexual quando jovem e temerosa a cada vez que a filha sai porta afora, assim a educou. Seu pai, condicionado pela a mãe e pelas notícias, comprou pra Martha um canivete estilizado pra levar consigo. Martha, por outro lado, desacreditava e repudiava esse alvo em sua feminilidade quase premonitório. Até aquela noite na qual se atrasou na faculdade após as aulas pra concluir um trabalho pro dia seguinte e perdeu a última viagem do seu ônibus por segundos milimétricos nos quais o motorista avançou enquanto ela vinha correndo atrás tentando alcançá-lo. Já havia avisado a seus pais que seguramente se atrasaria. Martha entreolha o celular e a bateria morreu há pouco tempo. Sem dinheiro pra um táxi, e com uma fresca noite outonal de céu completamente claro, ela decide por fazer uma caminhada pra casa. Não é tão longe, e não seria a primeira vez, mas não tão tarde. Ela entra numa comprida rua vazia e cercada por alta vegetação iluminada apenas pelos postes. O vento ali é mais gélido, e por um momento o silêncio lhe ameaça arrepiadamente. Ante a chegar numa esquina, Martha trava assustada ao se deparar com uma sombra masculina a dobrá-la corridamente e tropeçando rumo a sua direção. Seus sentidos se turvam ensurdecedoramente, a mente de Martha ecoa em ebulição as vezes mescladas que a sua mãe lhe amedrontou com uma situação como aquela e rola uma fita mental de tantos feminicídios que já leu na internet, e sem perceber ela escorrega a mão pela lateral da calça apanhando ao seu canivete. O homem sombreado estende as mãos em sua direção. E em segundos milimétricos como na partida do seu ônibus, a escuridão reluz quando Martha abre e avança cravando o canivete à garganta do cujo homem. Ambos se caem trombadamente, ele em cima de Martha e resmungando arfantemente, enquanto ela tenta se livrar do peso dele gritadamente com sangue quente sendo espirrado contra o seu uniforme e o rosto. Martha engatinha pra trás arfando um choro soluçante enquanto o cujo homem, agora de perto revelado como um de meia-idade estende trêmulo uma das mãos com sangue na direção dela, até se decair morto ao asfalto—...
Martha foi sentenciada à prisão pelo homicídio não só de uma pessoa, mas a responsabilidade por duas. Um pai e a sua filha. O carro do cujo pai havia quebrado e a sua filha, asmática, teve uma crise forte e, por outra coincidência daquela noite fatídica, a sua bombinha tinha acabado de expirar. Seu pai se desenfreou apavorado buscando a qualquer ajuda em vista, e por uma sorte infortuna, se deparou com Martha à poucos metros.