O Segredo das Tortas
Um dos piores contratempos para um vendedor é que surja um concorrente à curta distância. E esse infortúnio decaiu sobre Nora, que vendia tortas caseiras de batata doce em um ponto na rua mais movimentada de seu pequeno vilarejo, e que com esforço e sorte se tornou popular, os lucros começaram a encher o bolso e com tanto não faltava mais os remédios caros que ela provia ao seu irmão caçula adoentado e um dos motivos para começar a vender tortas. Até que Elizabeth se pôs à poucos metros dela numa quente manhã para vender do mesmo, só que tortas de maçã. Nora fora consumida por um fervor trêmulo em suas entranhas quando chegou ao seu ponto e lá avistou a Elizabeth já vendendo para um dos seus clientes. Os instintos de Nora imediatamente premonitaram a seca que recairia sobre a sua tenda, e assim sendo, Nora assistiu aos seus lucros deslizando de si naquele só dia enquanto os seus clientes passavam diretos por ela a ignorando indo até Elizabeth. Ao chegar em casa e se deparar com o seu irmão sorridente mais estável das dores por causa dos remédios, Nora se avulsionou temerosa. No dia seguinte, como prevera, Nora só se desfalecia mais da agraciação sortuda que escorregava das suas mãos e enchia mais as de Elizabeth. As moscas pousando nas suas tortas premonitavam o que ocorreria em contáveis dia. Por quê? O que havia nas tortas de Elizabeth para tanto? Seria algum feitiço dos olhos azuis de burca e o cabelo loiro cacheado de Elizabeth? Eram os olhos castanhos e os cabelos ruivos desgrenhados de Nora menos encantadores? Tortas são todas com similar massa, era as maçãs? Era apenas a vida cruel desferindo mais um dos seus golpes em Nora? As indagações emergiram em lágrimas enquanto Nora observava a uma das suas clientes mais assíduas comprando de Elizabeth e ignorando a existência dela. Ao chegar em casa mais cedo por desistência e se deparar com o seu irmão aos prantos pois os remédios haviam acabado, a avulsa de Nora subiu ao coração como lâmina. “Nós teremos que tirar da comida então para comprar os remédios,” a mãe de Nora resmungou chorosa com um olhar melancólico farta daquela vida de viúva pobre quando a filha disse em lágrimas que não havia ganho suficiente nos últimos dias. Consequentemente, Nora também acabaria sem tortas. Nora sentiu o seu espírito se rasgar e manchar a sua dignidade.
Na tardinha seguinte, enquanto Elizabeth caminhava para casa sorridente com o cesto de tortas vazio e os bolsos cheios admirando as estrelas a começarem a iluminar o azulado céu do campo, subitamente sentiu que algo a perseguisse, como um sibilar fantasmagórico gélido pelos cabelos. Não havia nem sombra pela estrada deixada para trás e das suas bordas sibilando a ventania pelo milharal ao se virar e procurar arfante. Ao se dobrar de volta, a cuja sensação avançou mais perto, e ao se virar bruscamente temerosa, a última coisa a que Elizabeth avistaria fora o golpe turvo reluzente de um cutelo em seu crânio que de tão forte escapuliu respingando sangue a um dos seus olhos azuis nos seus próprios pés.
A mãe de Nora acordou assustada com a luz do celeiro acesa pela a sua janela já de madrugada. Correu até o caçula dormindo e procurou por Nora, e não a encontrando no quarto, correu temerosa aos passos descalços afora até o celeiro. Encontrou a Nora com um avental e a sua roupa manchados de sangue ao lado de um grande saco encharcado pingando na beirada da mesa arrastada até ali da entrada enquanto Nora acometia um cutelo em uma carne branca com muitos cortes sangrentos já feitos esparramados. Nora se assustou ao se virar e perceber a mãe, mas delineou um sorriso arfante pelo o esforço. A mãe imediatamente se irrompeu num arrepio gélido, havia algo esquisito em Nora, no seu olhar aberto demais e escuro. Antes que a mãe resmungasse algo, Nora se adiantou ao retrucar autoritária que havia roubado carne pois tinha uma nova ideia e que não ficariam sem o sustento. A mãe, farta e conivente, desistiu e apenas voltou para casa em passos largos, arfando o ar gélido.
Passados dois dias, enquanto os cidadãos e a polícia se indagavam fervorosamente sobre o desaparecimento de Elizabeth e as suas tortas, os aldeões se alegraram um pouco quando se depararam a Nora cedo em uma outra manhã vendendo tortas graúdas que exalavam agora a um aroma salgado agradável. “São novas tortas, de carne moída,” Nora apresentou. De um em um, os seus antigos clientes retornaram no mesmo dia. E mais ávidos no dia seguinte, trazendo a novos clientes e mais pedidos. Em uma só semana, Nora quase ganhou o que conseguiria em meio mês, tanto que a própria mãe e o irmão caçula tinham que ajudá-la a trazer novas remessas de torta.
Ao final da primeira semana em que retornara, antes de ir embora, Nora fitou com aquele mesmo olhar aberto demais e vazio, ao ponto vago adiante no qual Elizabeth havia se instalado, e delineou um riso arfante e infante. Nora descobrira o que havia de mais chamativo nos ingredientes que compunhava a Elizabeth, e ainda havia mais deles para algumas semanas.
{················x················}
“I said, “Hey, girl with one eye,
get your filthy fingers out of my pie;
I said, “Hey, girl with one eye,
I’ll cut your little heart out ’cause you made me cry.”