ALEM DA IMAGINAÇÃO
ALÉM DA IMAGINAÇÃO
Conto de Roberto Carlos Cardozo
Carton Gustavo W. estava no segundo
mandato como prefeito da pequena cidade. Nesse
momento, telefonava ao delegado Erciolo Roque
Panizutti e diz:
- Bom dia, Dr. Erciolo!
- Bom dia, Senhor Prefeito! -
Responde o delegado.
- Estás vendo aquele grupo que está
subindo a escada? Olha pela janela da antessala
da delegacia, que podes ver.
- Estou vendo, Senhor Prefeito!
- O que devo dizer a eles? - Indagou o
Prefeito.
- Diga-lhes o mesmo que disse na vez
anterior, que eu os receberei em meu escritório. -
Respondeu o delegado.
Erciolo, o delegado, era um homem firme,
mas ponderado. Sabia que não poderia manter
aquela situação por muito tempo. Chama o
inspetor Silveirinha e lhe diz:
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- Silveirinha, está chegando um grupo de
cidadãos e eu não quero tumulto. Escolhe os mais
preeminentes e forma uma comissão de, no
máximo, quatro representantes, que eu os
atenderei.
Seguindo as ordens do delegado,
Silveirinha forma a comissão composta pelo
farmacêutico, pelo advogado, pelo vereador e
pelo padre.
- Entrem, senhores! Já sei porque vieram, e
posso lhes afirmar que estamos fazendo o
máximo possível, dentro de nossas limitações.
Mas, se, no fim de nossas investigações, não
conseguirmos apurar os fatos, vamos, com toda a
certeza, pedir auxílio à polícia especializada da
capital. - Diz o delegado com toda firmeza.
- Já faz três dias desde a última morte, e,
considerando que as cinco ocorreram num espaço
de setenta e duas horas, entendemos que não
ocorrerá mais nenhuma. Agora, senhores, o
inspetor Silveirinha os acompanhará até a saída;
nós os manteremos informados. - Diz o delegado.
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O advogado tentou argumentar, mas foi
energicamente cortado pelo delegado, que
simplesmente lhe disse:
- Estamos sendo realistas e transparentes.
Até o momento, tudo o que sabemos é que houve
cinco suicídios sem qualquer motivo aparente.
Tratava-se do suicídio de jovens com
idades entre 17 e 19 anos, todos rapazes ordeiros.
- As investigações davam conta de que
todos nada tinham a ver com drogas ou álcool.
Não pertenciam a seitas ou coisa parecida; pelo
contrário, três deles eram católicos praticantes, e
os outros dois eram protestantes, também
praticantes, o que poderia ser comprovado pelo
Vigário da paróquia. Também não tinham
ligações pela internet com seitas ou facções,
sendo que apenas 2 deles obtinham internet em
suas casas. Seus arquivos foram vasculhados e
nada de importante foi encontrado.
- Bem, senhores, se tiverem alguma
colocação que nos possa ser útil nas
investigações, somos todos ouvidos; caso
contrário, um bom-dia a todos. - Despediu-se o
delegado colocando fim na conversa.
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Os representantes do povo saíram. O
delegado ficou meditabundo. Colocou ambos os
cotovelos sobre a mesa e ambas as mãos no rosto,
franziu o cenho e começou a pensar:
O jovem kerber foi o primeiro a suicidar. O
quarto fechado por dentro indica que, naquele
momento, ele estava só. Ninguém consegue
fechar uma janela e uma porta por dentro com
trinques de aço e sair. Ele pegou uma furadeira,
furou a laje de concreto, aplicou uma bucha
fischer nº 12, um parafuso gancho, amarrou uma
corda de nylon, envolveu-a no pescoço e chutou a
cadeira para longe. Suas mãos foram cortadas
ao tentar erguer o corpo agarrando-se na fina
corda de nylon. Não há dúvida de que ele
suicidou.
O segundo, pega uma arma de caça,
coloca o cano embaixo do queixo, apoia a
coronha no solo e puxa o gatilho. A carga de
chumbo quase que lhe arranca a cabeça. E isso
ocorreu apenas em um intervalo de 8 horas, entre
um suicídio e o outro.
Cinco horas depois, o jovem Baptista toma
veneno para ratos; uma dose para matar um
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rinoceronte. Quando desceu a escada,
cambaleando, e com a boca cheia de secreções,
caiu nos pés de sua mãe, que o levou
imediatamente ao hospital, mas nada mais
poderia ser feito.
O Marquito, filho do bodegueiro, com
apenas 17 anos, o mais jovem dos cinco, como
pôde amarrar uma corda no pescoço e saltar de
uma árvore? Seu pescoço foi quebrado, seus
olhos saltaram para fora da cavidade ocular.
Isso com apenas 2 horas após o suicídio do
jovem Baptista.
O último, o filho da viúva. Pobre mãe,
apenas lhe restava aquele filho, com 19 anos de
idade: rapaz correto e estudioso, só lhe dava
alegria. Que morte estúpida! O motorista da
carreta nada pôde fazer. O jovem foi com sua
bicicleta contra a carreta. A maior parte de seu
corpo que restou inteira foi um pé; o resto foi um
amontoado de ossos, carne e vísceras. Este foi o
último há 70 horas do primeiro. Dá-me a
impressão de que eles tinham 72 horas para
cometerem o suicídio. Mas que motivo eles
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teriam para tal prática? O que é pior do que
enfrentar a morte?
Na semana seguinte, o delegado Erciolo
dirige suas investigações no sentido de ligar o
que havia em comum entre os suicidas. O
relatório das investigações tem os seguintes
registros:
Três eram estudantes de segundo grau;
dois trabalhavam de dia e estudavam à noite.
Como o lugar era pequeno, eles se conheciam,
mas não tinham amizade de uns irem a casa de
outros. Não participavam de qualquer grupo de
internet, haja vista que nem todos estavam
ligados à rede. Todos jogavam futebol na Praça
dos Saraivas, sendo o único ponto comum entre
os cinco, e também a praticamente todos os
garotos da cidade.
Era segunda-feira, já passados quinze dias
da última morte. O Prefeito liga para o delegado:
- Bom-dia, delegado! Como está o caso?
- Bom-dia, sr. Prefeito! Não tivemos
progresso em nossas investigações. Com a sua
permissão, vamos solicitar ajuda da homicídio da
capital.
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- Tem a minha concordância. Afinal, não é
um caso comum, e envolve várias famílias da
nossa comunidade, para as quais temos que dar
alguma explicação.
Terça-feira
- Bem, sr. delegado! Eu sou Mário Mariano
Martins, agente federal da delegacia de
homicídio.
- Prazer em conhecê-lo! Sou o delegado
Erciolo Roque Panizutti. Sente-se, por favor!
Ambos conversaram amenidades por mais
de 15 minutos, quando o recém-chegado
perguntou:
- Vejo que você está com um caso
complicado! Espero poder ajudar.
- Certamente que ajudará.
- Para tanto, será necessário que eu fique a
par de todos os acontecimentos e os resultados
das investigações que foram procedidas até o
presente momento.
- Já esperava por isso, e tomei minhas
providências. Aqui tem um relatório completo
sobre todo o caso: depoimentos, investigações e
tudo o que foi feito até o presente momento.
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- Se não se incomodar, levarei o relatório
para o hotel a fim de examiná-lo com calma.
O investigador federal levantara cedo.
Após o desjejum, perguntou a um atendente da
recepção do hotel:
- Por favor, pode me informar onde fica a
Praça dos Saraivas?
- Na terceira quadra, dobre à esquerda e
siga em frente, que chegará à Praça dos Saraivas.
Lá chegando, o federal se acomodou junto
a um poste da rede elétrica, ergueu o pé direito
para trás, curvando o joelho, e o encostou no
poste. Seu aguçado olhar visualiza a grande
praça, que deveria ter, no mínimo, uma área de
duzentos metros de um dos lados por cento e
cinquenta metros do outro. Em suas laterais, ruas
com meio-fio e calçamento em pedras na forma
de paralelepípedo. As casas que circundavam a
praça eram, em sua maioria, antigas, sendo umas
coladas às outras. Em alguns pontos, destacavamse
casas modernas, recuadas e com garagem nas
laterais.
No interior da praça, podia-se ver quatro
quadras de futebol; em uma das laterais, um
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vestiário e sanitários. A grama mal conservada,
em certos pontos, estava ausente, sendo visível
areia negra, própria da região.
Já passavam das nove horas quando os
primeiros esportistas chegaram à praça. O
investigador se adiantou e, chegando perto dos
rapazes, perguntou-lhes:
- Bom-dia! Eu sou o detetive Mário, da
policia federal, permitem que eu lhes faça
algumas perguntas?
Os rapazes se olharam, e um deles falou:
- Não nos importamos, mas já fomos
procurados pelo inspetor Silveirinha, e dissemos
a ele tudo o que sabíamos. Mas o que deseja
saber?
- Vocês conheciam os rapazes; eles
costumavam frequentar a praça de esportes?
O mais falante disse:
- Alguns deles nós conhecíamos, pois
jogávamos contra eles algumas vezes.
- Sabe se eles usavam drogas?
- Não! Aqui na praça não há drogados,
todos os que aqui vêm são atletas, e não há como
se meter com drogas.
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As perguntas foram variadas e objetivas,
mas, nas respostas, ficava claro que os falecidos
eram gente de bem, ordeiros e responsáveis.
Às dez horas, Mário chega à delegacia.
- Bom-dia, delegado!
- Bom-dia, agente Mário! Vejo que já fez
algumas investigações.
- Sim, sim, fui até a Praça dos Saraivas.
Conversei com alguns rapazes que lá estavam,
mas nada que pudesse ajudar nas apurações.
Duas semanas de investigações levaram o
agente federal a casa de cada um dos suicidas, a
exames em computadores, conversa com os
familiares, nada foi levantado que pudesse
elucidar os fatos.
- Senhor delegado, aqui tem o meu
relatório com todas as investigações realizadas. A
homicídio concluiu que realmente houve cinco
suicídios sem qualquer motivo aparente. Foi
descartada a hipótese de assassinato.
A enfermeira padrão Manuela Santiago era
uma mulher autossuficiente. Sua filha Martha
tinha sido uma produção independente, não tinha
pai. Ela dizia que homem para ceder o sêmen
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havia bastante, mas, para assumir as
responsabilidades de uma criança, havia poucos,
e cada vez mais raros.
Ela tinha 32 anos quando Martha nasceu, e
38 quando Martha, com 6 anos, acidentou-se em
um balanço infantil, ocasionando-lhe morte
cerebral. O máximo que fazia era movimentar os
olhos.
Manu, como era conhecida por seus
colegas, chegara à cidade há 15 anos, quando o
hospital fora inaugurado. Era a única enfermeira
padrão, auxiliar direta do médico cirurgião.
Trabalhava rigorosamente das 7:00 às 11:30, e
das 13:00 às 17:30.
Martha, já com 21 anos, exigia dela muita
atenção. Ao chegar a casa, no fim do expediente,
sempre fazia em Martha uma massagem de mais
de 1 hora, permitindo-a exercitar pernas e braços,
que, desta forma, mantinham-se com bom tono
muscular.
Após uma cirurgia, o médico Gérson disse
à Manu:
- Manu, há algo errado com você? Eu
estou sentindo-a preocupada.
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- Não, não, é nada demais, a Martha que
me preocupa de vez em quando.
- Não sei como você consegue administrar
a sua vida com tais encargos. Eu quero lhe dizer
que os amigos são para nos confortarem nas
horas amargas.
- Eu sei disso. Quando precisar do senhor,
eu irei ocupá-lo.
- A propósito! Já faz dois meses que eu não
vejo Martha.
- Irei visitá-la na semana que vem.
- Martha está bem! Isto é, da mesma forma
de sempre.
O médico, na semana seguinte, às 10:00 ,
vai a casa de Manu fazer uma visita à Martha,
como sempre fez durante mais de 12 anos. Ao
chegar a casa, abriu o portão e adentrou no pátio,
levantou o tapete para pegar a chave da porta, e
esta não mais estava como estivera por todos
aqueles anos. Pensou:
Certamente Manu mudou o local de
esconder a chave
Retornou ao hospital e procurou Manu.
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- Fui fazer uma visita à Martha, só que
não encontrei a chave por baixo do tapete e, por
isso, não pude entrar.
Manu ficou desconcentrada por alguns
instantes e disse:
- Eu não mais estou deixando as chaves sob
o tapete. Mas ela está aqui. Mas será que você
não quer ir à tardinha, quando eu estiver em casa?
- Manu, o que está errado? O seu
comportamento não está normal. Confie em mim,
eu sou seu amigo para o que der e vier!
- Por favor, Gérson, vá à noite, que te
explico tudo!
Às 7:00 da noite, o médico Gérson Dalbelo
chega à residência de Manu e Martha. Manu já o
estava esperando.
- Entre, por favor!
Ambos se dirigiram ao quarto de Martha.
Lá chegando, o médico levantou o lençol que
cobria a paciente e, com imensa surpresa, disse:
- O que é isso, Manu, como isso pode
acontecer?
Manu tapa os olhos com ambas as mãos e
cai em prantos e soluços. O médico a abraça e a
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leva para a sala, e lhe prepara uma água com
açúcar e a faz beber. Mais calma, Manu começa a
sua narrativa:
- Há quatro meses, ao chegar a casa, fui
fazer massagem nas pernas de Martha, percebi
que havia secreções orgânicas em suas pernas, ou
seja, esperma. Fiquei possessa, chegando a pegar
o telefone para chamar a policia; mas parei e
raciocinei. Se eu alardear o culpado, nunca será
descoberto. Resolvi eu mesma instalar uma
câmera escondida e gravar, em vídeo, Martha,
durante todo o tempo em que ela ficava sozinha.
- Fiquei possessa quando assisti à fita, pois
não era um, mas, três rapazes, em pequenos
intervalos, um após o outro, a estupravam. Chorei
a noite inteira. Mas eu tinha de ser forte e
continuar, não sabia a extensão dessa
perversidade.
- Na gravação do dia seguinte, dois outros
foram filmados. Fiz gravações durante uma
semana completa, e sempre eram os mesmos
atores, o que me fez concluir que eram apenas
cinco os estupradores contumazes. Retirei as
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chaves sob o tapete, e, assim, a casa não mais foi
invadida.
- Nas duas próximas semanas, eu me
dediquei a identificá-los. Um deles, eu encontrei
na Praça dos Saraivas, que fica na frente da casa.
Chamei-o e lhe entreguei uma cópia da fita, que
eu mesma reproduzi. Para tanto, consegui um
outro gravador emprestado e fiz a reprodução.
Disse-lhe apenas que reunisse todos e assistissem
à fita, que, em 72 horas, ela seria entregue ao
delegado de polícia.
- O resto você já sabe. Os garotos
resolveram suicidar a terem de enfrentar o
bárbaro crime que tinham praticado.
- Eu não os obriguei a nada, mas sinto que
não posso mais permanecer nesta cidade.
O médico, que tudo ouviu consternado, no
fim, disse:
- Manu, você e Martha sempre mereceram
minha mais profunda admiração e amizade.
Contem comigo para o que der e vier. Eu
concordo que você deve se mudar para um centro
maior. Eu a recomendarei a um colega meu que é
diretor de um dos hospitais da capital. Lá, Martha
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poderá dar a luz ao seu neto sem que isso cause
suspeita ou constrangimentos, pois ninguém
saberá o que realmente aconteceu.
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