TRINTA E DUAS
Ele era diferente, introspetivo, casmurro, encolhido no próprio mundo e alheio às dimensões do ponderável. Se bem quisesse companhia e também ansiasse amar e ser amado. Suas esquisitices e idiossincrasias, contudo, não lhe permitiam muita aproximação com os semelhantes. Entenderiam se o vissem parado tempo demais aqui e ali, nalguma esquina, nessa ou naquela praça, as mãos nos bolsos, o olhar absorto ou súplice nas mulheres que iam e vinham? Decerto não! Porque seu olhar denunciava, ou pelo menos passava essa impressão, intenções indizíveis, amplas, além da simples admiração do perfil feminino. Talvez sim, ou não, por outro lado. Como saber? Mas, se lhe havia volúpia nos olhos, se algo escondido no seu recôndito intimidava quantos o vissem, nenhum ato efetivo comprovara ser ele um perigo para os transeuntes. Jamais!
É certo, havia ocasiões de ele ser visto em atentas leituras, livros volumosos nas mãos, indiferente aos passantes, viajando letras adentro e esquecido do tempo e do vento. Louco, intelectual, estranho porém tranquilo, possível molestador de mulheres, mero serzinho desprezível? Saber quem havia de?
Morava só num minúsculo apartamento dum bairro modesto, aparentava ser alguém de meia idade, não fumava nem era dado a bebida alcoólica, entrava e saía sem cumprimentar ninguém, um desconhecido, uma incógnita enfim. Inofensivo? Provavelmente. Nada provava o contrário. De que vivia, como se sustentava, trabalhava, tinha familiares alhures? Desconhecia-se.
Apenas uma mulher, em certa ocasião difusa - quem era, por que o visitou, o que a motivou, é mistério - entrou em seu apartamento certa vez, e o que viu durante dois dias a estarreceu de maneira, digamos, a ponto de deixa-la, no mínimo, perplexa, e tal cena presenciada ela guardou para si, foi testemunhar que o cara nada convencional escovava os dentes quatro vezes ao dia usando trinta e duas escovas, uma para cada dente.