Buracos de bala - (horror/terror/suspense/mistério/humor negro)

Sinopse: Falta de inspiração para escrever tem sido um problemão na vida do jovem escritor Rogério. Bem... Até que certa noite, enquanto ele espiava a vizinhança dos prédios ao redor, acaba testemunhando uma briga de casal com desdobramentos inesperáveis.

Buracos de bala

Espiando os vizinhos através do potente telescópio instalado no alto da sacada do apartamento, o jovem escritor Rogério comia a última fatia do bolo de chocolate que dona Anastácia, a sua mãe, havia deixado bem ao lado da sua máquina de escrever, quando de súbito, seus tímpanos estremeceram ao ouvir o: “Bummmm!”, de Zeca, — o traficante da esquina, — com seu costumeiro estrondo de explosão ecoando pelos edifícios ao redor, bem no início de cada mês.

Eram muitas as confusões oriundas no condomínio Malibu, localizado bem no centro de Goiânia. Um empreendimento composto por três torres, — ou melhor, por uma torre que, a primeira vista parece ser única, mas que se perfaz em três quando se olha pela lateral — era ocupado em sua maioria por famílias de classe média baixa.

Eis que, para quem está a olhar para o condomínio a partir da portaria; a torre Marechal Teodoro é a torre principal. A seguir, geminada na sua grossa coluna de concreto que se ergue a perder de vista, se interliga as outras duas torres, ou seja, a torre Pedro Álvares Cabral, à esquerda, e depois, a torre Faria Lima, à direita.

Eram constantes os alertas da mãe de Rogério, lhe dizendo que aquela sua estranha atitude de ficar espiando os vizinhos na busca de inspiração pra escrever livros, um dia iria acabar muito mal. Muito mal! Mas o jovem escritor nunca a escutou. De fato, ele também nunca se libertou daquele seu rito metódico de, — após o banho — ficar sentado por horas a fio enquanto mantinha os olhos fincados nas grossas lentes do seu telescópio que girava, e girava, e girava sem parar, extremamente ávido por absorver as peculiaridades da vida ao redor, principalmente as encenadas em cada pedacinho de cortina entreaberta das torres da frente.

E, enquanto sua mãe lhe dizia: “Pare já com isso, Rogério!”, a desculpa do filho permanecia sempre a mesma: “Mamãe, o problema é que me falta inspiração!”.

E era dentro do bloco de anotações sobre a cômoda, que suas estórias iam ganhando cada vez mais corpulência e forma. Por exemplo, depois de um tempo espionando os vizinhos, ele descobriu que: Arnaldo era o cara do apartamento de cima. Apelidado de “senhor Vampiro”, o que se sabia do sujeito era que ele era um homem de meia idade, que saía todas as noites para trabalhar, mas que ao raiar do sol, não ousava por os pés para fora do apartamento. Discreto e carregado com certo ar de mistério, quando Arnaldo conversava com alguém, também não parava de mirar a jugular.

Já a Nilda era a linguaruda que morava no apartamento nº 315. Se alguém, de alguma forma, quisesse se informar das "últimas notícias”, ou, das “notícias extraoficiais” ocorridas no condomínio em questão, era muito fácil, ou seja, era só convidá-la para um café ou chá, até mesmo lhe pedir emprestado uma simples xícara de açúcar.

O apartamento nº 316 era a residência do casal de velhinhos mais amados do condomínio. E, após anos viajando ao redor do mundo trabalhando como voluntários na Cruz Vermelha, enfim seu Bento e dona Naná se viram forçados a encerrar o voluntariado por problemas de saúde.

No entanto, houve uma noite em especial, que um alvoroço que se iniciou no apartamento nº 313, sequestrou a atenção do jovem Rogério. Da sacada do seu quarto, ele logo percebeu que o troço no apartamento bem de frente ao seu, estava pegando fogo.

Dentro do apartamento nº 313 ecoavam-se gritos de provocação: “Sua safada!”, e em resposta, “Você que é um corno!”, e até mesmo “Vou acabar com sua vida, sua bandida do caralho!”, e outras tais banalidades que nem vale a pena mencionar.

Na noite em questão, até que Rogério pensou: “Para complementar esse show de horrores, só mesmo acompanhado com um belo balde de pipoca”. — Mas logo em seguida ficou receoso e desistiu. Talvez ligar o fogão pra esquentar milho naquela altura do campeonato, demandaria tempo demais, ou seja, correria o enorme risco de perder o pior que, provavelmente, ainda estava por vir.

A seguir, Rogério apagou as luzes do quarto, ajeitou-se no conforto da poltrona e, após calibrar as lentes do telescópio pra trazer tudo de longe pra mais perto, ele acendeu seu cigarrinho de palha, velho companheiro de noites insones. Após dar duas ou três longas tragadas, Rogério ficou quieto, só com a pontinha da brasa valseando na escuridão.

Já na sacada da frente, a confusão era a seguinte: Toninho, marido de Suzane, tinha acabado de flagrá-la na cama, transando com o amante.

— Confessa sua vaca! — Toninho berrava lá de dentro. Seus gritos ecoavam pelo condomínio — Há quanto tempo está dando pra esse filho da puta?!

Suzane ficou paralisada ao ver o rosto enfurecido de Toninho. Só ora e outra que ela esticava a mão pra puxar o cobertor pra si, — para tapar a sua nudez, — mas o danado ainda permanecia todo enroscado no corpo do amante gigante. Logo depois, Toninho sacou um revólver por trás da calça e ficou a valseá-lo: ora ele mirava o rosto do grandão, outrora o agitava com tamanha ferocidade no ar.

***

Na Metrobus, — o nome da empresa de ônibus que Toninho trabalhava como cobrador — ele iniciava seu expediente sempre às 18h. Daí varando a noite até os ponteiros do seu relógio tiquetaquear às 00h. Sua linha de trabalho era a que principiava no centro de Goiânia, e que, depois circulava por toda a região leste da capital.

Ali sentado, recebendo moedas e notas de dinheiro dos passageiros sobre o velho banco de couro rasgado, era no girar da catraca que ele ia se gabando que era funcionário público, e concursado!

Toninho era uma pessoa do bem. Muito esforçado! Nunca se viu um sujeito igual ele!

Sem falar que para complemento da renda da família — composto pela mulher e por duas filhas — quando pintava uma folga, Toninho ainda vendia seus relógios falsificados de porta em porta, e se a data era especial — dias dos pais, por exemplo — logo ele corria pra estender a pequena banca improvisada de madeira no calçadão do mercado municipal mais movimentado de Goiânia. Para atrair a clientela, ele ficava gritando: “Venham ver! É relógio é bom e barato!”.

Quando se tratava de família, com Toninho nunca media esforços. Aqui estão mais exemplos: ele capinava lote baldio em dia de muito sol ou de muita chuva, fazia bico de entregador de supermercado aos finais de semana e feriados, sem falar que, às vezes já chegou a encarar serviço pesado em dias que sua hérnia de disco tanto lhe incomodava.

Um sujeito do bem! E, sistemático como ele era, também nunca foi de gracinhas com colegas de trabalho, tampouco era de frequentar happy hours nos finais de expediente. Tão logo encerrava o seu itinerário, Toninho tomava as três conduções que o trariam de volta pra casa, a fim de conseguir, — pelo menos, — dar um beijo de boa noite em cada filha.

***

Dentro do apartamento, a confusão ia ganhando força.

— Toninho, — implorou Suzane — não faça isso! Pelo amor de Deus, pense nas suas filhas!

Mas Toninho era só ciúme. Enquanto andava de um lado pro outro, matutando ideias confusas e agitando o revólver no ar, seu rosto era o puro reflexo da sua dor. Enquanto isso repetia consigo: “O que fiz pra merecer isso?!” e, “E agora? O que vou fazer da minha vida?” e o pior: “Vou matar todos, e depois me mato!”.

Ao vê-lo naquele estado, a primeira coisa que Suzane pediu pra Toninho foi pra que ele se acalmasse. Mas Toninho não lhe deu ouvidos, de forma que, depois que enxugou suas lágrimas, seus olhos acesos passaram a incinerar o amante de cima a baixo.

Continua...

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Gláucio Imada Tamura
Enviado por Gláucio Imada Tamura em 12/08/2021
Reeditado em 16/08/2021
Código do texto: T7319293
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