Tchau, papai! - (drama/suspense)
Sinopse: O policial Rubão sempre foi um servidor público esforçado que, como tantos outros policiais honestos que trabalham na corporação militar, luta para conquistar seu lugarzinho ao sol. Mas aconteceu que depois de tanto tempo vivenciando aquela rotina de ter que enfrentar coisas tão pesadas e às vezes sem solução, sua personalidade antes calma e pacata, certo dia acaba se transformando completamente.
Tchau, papai!
Rubão ergueu a palma grossa da sua mão, e em seguida a desceu com toda sua força sobre o rosto suave da esposa Elizabeth. “Plaft!”, foi o barulho que estalou com vontade, e a seguir, ricocheteou tímido pelos quatro cantos da pequena cozinha. Oswaldinho, o raquítico filho de cinco anos do casal, que até então assistia Bom dia e Companhia na sala, com o vozerio que se seguiu na cozinha veio correndo pra acudir a mãe. Depois, enroscado na sua saia, permaneceu imóvel entremeio os dois, enquanto ouvia o pai estrebuchar grossas salivas aos quatros ventos:
— SUA ANTA DO CARALHO! QUANTAS FORAM ÀS VEZES QUE TE FALEI PARA ECONOMIZAR NO PÓ DE CAFÉ, PORRA! TÁ ACHANDO QUE DINHEIRO DÁ EM ÁRVORE É?
Com o rosto inchando-se, Elizabeth meio que ensaiou um choro, mas logo o engoliu por causa do filho que a encarava com os olhinhos amendoados lá debaixo. Depois de acariciar os cabelos do filho, que por sinal não entendera nada do que se passava ali, ela meio que ensaiou uma desculpa.
— Me desculpe amor, — ela disse, tentando suavizar o ardido da pele com passadas de mão — prometo que vou fazer o pó durar mais tempo.
— Promessas, promessas e promessas! — Ridicularizou Rubão — É só isso que sabe fazer, dona Elizabeth?! Prometer coisas? Olha, — ele disse apontando o dedo pra Oswaldinho — ele está crescendo. Ele está vendo tudo o que você está aprontando. Tem certeza que vai continuar dando este péssimo exemplo pro seu filho?
A mulher até que ensaiou retorquir: “Mas o dinheiro que você me dá para as despesas de casa tem sido pouco”, mas logo desistiu por que o avermelhado da fúria estampada no rosto do marido nem dera sinal que iria se esvair.
— Vou te avisar só mais esta vez, mulher! — Rubão tornou a implicar — Vê se economiza nos mantimentos, ou vou te devolver pra sua mãe! Eu que não vou ficar bancando mulher gastadeira em casa...
Depois de fazer outras chantagens até piores do que esta; Rubão foi para o banheiro tomar seu banho e vestiu a farda da polícia, afinal, o expediente de trabalho estava prestes a iniciar. Logo o policial Eustáquio estacionou a viatura no seu portão e apitou a sirene.
— E aí, Rubão?
— E aí, Eustáquio.
— Que cara é essa, parceiro? — Observou o policial Eustáquio.
— Nada não.
— Como, nada não? Seu rosto tá parecendo um pimentão, parceiro.
— Cê é casado?! — Rubão o confrontou com urgência na voz.
— Não, ainda não. Por que?
— Ah, então não adianta te explicar. Você não vai entender...
— Como assim? Somos parceiros, esqueceu-se? Podemos conversar sobre o que quiser.
Mas como Rubão permaneceu com a cara cerrada, e em total silêncio, o policial Eustáquio deu a partida na viatura e dobrou a esquina. Foi só depois de um tempo, quando o velocímetro alcançou os 60 quilômetros por hora, que o policial Eustáquio arriscou-se a retornar com o assunto:
— Problemas com a patroa, Rubão?
Depois de um suspiro, e também de ajeitar o coldre, — pois a Glock lhe apertava entre as ancas da barriga rechonchuda — Rubão ajeitou a boina e desabafou com a voz envenenada:
— Ultimamente não estou suportando olhar pra cara daquela mulher...
— Daquela mulher? — Eustáquio se surpreendeu — Cê tá falando, da sua mulher?
— Pois é!
— Não fala assim, compadre. A Elizabeth é mulher direita.
De repente, Rubão encarou Eustáquio de um jeito que o deixou sem graça.
— Cê tá interessado nela, policial Eustáquio?
— Quê isso, compadre! — o policial Eustáquio se defendeu, em parte sentindo-se ofendido com a pergunta — Só estou dizendo que a Elizabeth parece ser uma mulher direita, cara.
— Mulher direita? — Rubão disse inconformado — Aquela anta é muito é esperta! É isso que ela é; esperta!
Bem que Eustáquio pensou em retorquir: “Não fala assim dela, Rubão. A Elizabeth é a mãe do seu filho”, mas como o colega não deu sinais que iria atenuar os comentários, o policial Eustáquio decidiu apenas continuar ouvindo seus desabafos.
— O Miguel é que está certo. — observou Rubão com o olhar distante — Cara solteiro, sempre cercado de gatinhas, sem patroa nem filhos enchendo o seu saco... Tenho certeza que a despesa mensal dele deve de ser pouca. Daí sobra dinheiro pra fazer o que quiser, e com quem quiser, pensa!
— Cara, — o policial Eustáquio o alertou — todo mundo sabe que o policial Miguel não vale nada. É um picareta da pior espécie. Quer saber de uma coisa; acho que você não devia se relacionar com caras como ele.
Mas Rubão não o ouvia mais. Aparentemente mais relaxado, com os pensamentos orbitando outro lugar, só foi despertado por causa do apito que soou bem alto no rádio da viatura.
— Policiais se dirijam para a Avenida Central! O nome do estabelecimento é Toba’s Bar e Restaurante. — disse a voz firme de uma policial mulher — Temos um chamado de possível desavença entre casal. O homem, visivelmente embriagado, está armado com uma faca e ameaça matar a companheira.
Depois que o policial Eustáquio ouviu Rubão soltar um: “Que merda de nome é este?”, ele trocou de marcha, ligou o giroflex e pisou fundo no acelerador.
Chegando ao Toba’s Bar e Restaurante, o alvoroço era geral. E, enquanto a multidão ao redor, ora e outra comentavam com os transeuntes sobre o que tinha acontecido a pouco lá dentro, outra dupla de policiais acabava de estacionar a viatura de frente ao estabelecimento. Um dos policiais da outra viatura era justamente o policial Miguel, que vinha acompanhado do sargento Ruan. Com o rosto empinado, ajeitando a boina e afagando consecutivamente o nariz, foi só ver o policial Eustáquio saindo da viatura que ele começou com as piadinhas:
— E aí, Stive? Depois que resolvermos essa parada, que tal tomar uma no “Toba”, por minha conta, hein? Bem gelada de preferência. Com um sol de rachar como este; você deve estar doido para tomar um no Toba, não é não policial Eustáquio?
O sargento Ruan não se aguentou de tanto rir. Já Rubão prendeu o ar e escondeu a barriga, numa tentativa de imitar a postura empoderada do policial Miguel.
— E aí, Miguel? Como andam as coisas? — perguntou Rubão meio sem jeito.
Mas antes que o policial Miguel narrasse alguma de suas vantagens, ouviu-se o barulho de muitas cadeiras voando dentro do estabelecimento.
— Policial Eustáquio, você é o intermediador da vez. Prossiga! — ordenou o sargento Ruan.
O dono do bar estava bem na porta de saída, de forma que pôde informar como é que estava a situação dentro do seu estabelecimento.
— Estava tudo tranquilo com o casal, — ele revelou para os policiais — até que Ricardo, um garçom de porte atlético, esbarrou sem querer na mulher do sujeito, e ela, como forma de desculpá-lo, ficou alisando seu antebraço...
— Algum ferido aí dentro, senhor? — se precaveu o sargento Ruan.
— O sujeito feriu alguém com a faca? — emendou o policial Eustáquio.
— Até o momento nenhum ferido. Graças a Deus! — respondeu o dono do estabelecimento com certo alívio no rosto — Evacuamos os clientes e os funcionários bem antes disso tudo piorar. Mas acontece que o garçom permanece lá, tentando acalmar o marido que permanece com a faca fincada no pescoço da mulher.
Sem mais delongas, os policiais entraram no Toba’s Bar. O cheiro do churrasco sobre a chapa quente ainda pairava elegantemente no ar. E, enquanto o grupo de policiais avançavam as mesas inundadas de pratos e copos de bebidas recentemente abandonados, mais ao fundo, ante a cozinha, era possível perceber parte da movimentação agressiva de uma faca sendo valseada no ar.
— Essa puta aqui nunca me respeitou. — desabafou o marido com o garçom, se referindo a sua mulher — Desde que nos casamos ela me trai na maior cara dura. Com qualquer um! Pensar que hoje, num domingão como esse tudo que eu mais queria era tomar uma no Toba em paz...
Nisso, os policiais apareceram. O marido assustou-se e, depois que encadeou um pouco mais o mata-leão que dava na esposa, ele encostou-se junto à parede. Foi o policial Eustáquio que tomou dianteira na negociação:
— Calma, senhor, estamos aqui para ajudá-lo...
Mas o sujeito não queria saber de conversa, pois visivelmente alcoolizado, ora apontava a faca para os policiais, outrora tornava a serrilhá-la no pescoço da companheira.
— Vão embora seus putos! — gritou o sujeito.
— Por favor, Álvaro. Obedeça aos policiais. — interveio a mulher revelando o nome do marido.
— CALA-TE PUTA SAFADA! — berrou o marido pra ela — QUER SANGRAR ATÉ A MORTE?!
E depois de lançar um olhar envenenado pra todos que estava ali no recinto, Álvaro foi arrastando a mulher pra porta dos fundos da cozinha, com intenção de fugir do estabelecimento.
— Senhor Álvaro, — confortou o policial Eustáquio, tentando ganhar tempo — todos passamos por dias ruins. Mas acalme-se, senhor. Tudo será resolvido no devido tempo.
Mas o sujeito, — com a faca rente ao pescoço da mulher — pouco a pouco a arrastava para a porta dos fundos.
— Sabe qual é a dor de ser “corno”, policial? — disse Álvaro com os olhos saltados para o policial Eustáquio — Por acaso o senhor já sentiu a dor de se doar incondicionalmente para uma pessoa, fazer tudo pra ela, e quando pensa que não, ao invés de receber algo bom em troca, recebe é uma bela duma punhalada pelas costas?
— Acalme-se senhor Álvaro. Não faça nenhuma besteira, ok? — interviu o sargento com o rosto calmo. — O garçom já nos relatou que tudo só foi um mal entendido...
— Eu sei que o garçom não teve culpa! — Álvaro exclamou para os policiais — É só mais uma vítima dessa piranha aqui! É ela que tem que pagar pelas trapaças que faz! Mas de hoje não passa! Hoje ela morre!
Nisso, o sargento Ruan deu uma rápida piscada para o policial Miguel, e assim que ele entendeu o recado, saiu do estabelecimento de fininho. Rubão ajeitou as calças e foi atrás dele. Já Álvaro esbravejava sem parar, a esposa a tiracolo chorava muito.
— Eu vou entrar no meu carro, e os senhores me deixarão partir. — Álvaro ameaçou — Se tentarem me impedir, eu juro que rasgo o pescoço dela.
Entretanto, assim que o sujeito e a mulher arrastada cruzaram a porta dos fundos, quem estava à espreita ali, ou seja, à espera do melhor momento para lhe dar um bote, era o policial Miguel, e um pouco atrás dele, esperando na defensiva, aguardava o policial Rubão.
Foi questão de poucos segundos para o policial Miguel saltar sobre Álvaro, arrancar-lhe a faca da mão, e acertar-lhe um soco certeiro bem no meio do queixo. A seguir, esparramado ao chão, zonzo, a impressão perdida do sujeito estatelado era como se não soubesse qual foi o trem que havia acabado de lhe atropelar.
— Acalme-se, senhora, — falou o policial Miguel para a mulher do sujeito — O pior já passou. Pode ficar tranquila. Está segura.
Mas a mulher ainda chorava muito, permanecendo agarrada ao policial Miguel, soluçando sem parar junto ao seu peito maciço. Miguel afagou seus cabelos ruivos; e depois impressionado com tanta beleza jogada em seu regaço, logo lhe apertou ainda mais ao peito, quase a deixando sem ar.
— Desculpe-me moça, mas me atrevo a lhe dizer que de agora em diante deveria escolher melhor seus parceiros... Escolha alguém bom, que a respeite, que a faça feliz... — galanteou o policial Miguel.
Rubão permanecia embasbacado a poucos metros deles, testemunhando a cena covarde que por várias vezes seguidas acostumara-se a ver do policial Miguel, principalmente ao final de ocorrências daquele tipo. “Ele sabe mesmo como aproveitar uma oportunidade” pensou o policial Rubão enquanto algemava Álvaro e o jogava com extrema violência dentro da viatura.
***
A primeira coisa que o policial Rubão fez quando chegou em sua casa foi mandar Elizabeth lhe trazer uma gelada. Depois de tirar o cinto cheio de apetrechos policiais, — como a pistola e as algemas, por exemplo, — ele afrouxou a farda e em seguida largou-se por inteiro no sofá. Deitado ali, ora e outra atropelava os canais da televisão não demonstrando nenhum interesse no que via na tela, mas recordando-se do que o policial Miguel havia dito no momento que terminaram de preencher a ficha da ocorrência no departamento de polícia: “Rubão, vou comer a ruiva hoje. A danada me passou o telefone, cê acredita?”. Nisso, Oswaldinho despontou na porta da sala e veio de mansinho, buscando aconchego no colo do pai.
— Papai, quando é que o senhor vai me levar no parquinho? Quero andar de bicicleta. Faz tanto tempo que o senhor não me leva...
Rubão o olhou com desprezo, mas depois disse, como que tentando se livrar do pirralho:
— Qualquer dia desses... Mas hoje não dá.
— Mas o senhor falou isso já faz três meses... — insistiu o filho.
Sem paciência, logo Rubão levantou-se e, depois de quase passar por cima do garoto, gritou pra mulher, como quem grita pra um garçom: “Trás mais uma gelada!”, no entanto, ela não o ouviu gritar por que estava a socar roupas sujas dentro da pequena lavadora. Por outro lado, já achando que tudo estava certo, Rubão tornou a se jogar no sofá por inteiro, com o filho jogado aos seus pés, tornando a repetir a pergunta:
— Papai, quando é que o senhor vai me levar no parquinho? Quero andar de bicicleta. Faz tanto tempo que o senhor não me leva...
Continua...
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