Mandiocal

Mandiocal (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

Chico Lobo chega bem cedo à lavoura de mandioca. O mês é de março, às vésperas da Semana de Dores, que antecede a Semana Santa.

Sete horas da manhã. O passarinho canta alegremente no galho da árvore de óleo. Um pouco mais acima do galho da árvore, outro passarinho canta mais lindo, pois deveria ser o casal de pássaros que alegra a manhã no campo.

Ao som da batida da porteira, já se percebia a presença dele, que se vestia uma calça social arregaçada até o joelho, uma camisa de mangas compridas, um paletó preto e, na cabeça, um chapéu na cor preta. Calçado com uma botina.

O rosto magro e um pouco alongado, de barba bem feita e um grande bigode preto, com alguns fios brancos. No ombro esquerdo, repousava a enxada do cabo longo, muito bem encavada. A lâmina estava bem afiada e o brilho dos raios solares faziam reluzir o fino e preciso corte.

A passos longos, ouvia-se a voz forte cantando a música carnavalesca “Colombina”. Os dois cães latiam sentindo a presença dele, mas logo os latidos se convertiam em festa, pois ele os acariciava, chamando-os pelo nome e os coçava a cabeça. A gatinha chamada de “Branca de Neve” logo vinha ao encontro. Miando e levantando a calda, enroscava nas pernas dele, fazendo-o cambalear ao ponto de quase cair no chão. Porém, já acostumado com os agrados da gatinha, ele jogava a enxada para um lado e com as grandes duas mãos pegava a gatinha. Repousava o corpo em um toco bem próximo da varanda. Fazia muitos carinhos em “Branca de Neve” e cantava a musiquinha da “Gatinha Parda”. Algum tempo se passava e ele, carregando a gatinha, entrava pela cozinha, chamando pelo patrão.

Já estando na cozinha, um bule de café bem quente o aguardava sobre a mesa. Ao lado, uma bandeja repleta de pão de queijo, broa, rosca e um prato com queijo bem fresquinho. O leite estava sobre a mesa, mas ele não gostava muito. Preferia, assim, saborear a caneca esmaltada de café, comer broa, pão de queijo e sair comendo um pedaço de queijo.

Sai apressado e dizendo:

- Padrinho! Hoje vamos acabar a capina do mandiocal. Está aproximando a Semana Santa e temos que vender a mandioca para as pessoas lá na cidade. O preço está muito bom. Boa parte do povo faz jejum na semana de dores e vamos encher os balaios. O senhor arruma para levar e vendê-las.

O termo usado “Padrinho” referia-se ao patrão, pois ele era padrinho de Chico Lobo.

Atravessava a porteira que dava acesso às lavouras e sumindo pela plantação de milho, entre pés de bananeira, lavoura de feijão da seca, lá se ia o Chico. Assobiando, como sempre, ora a mesma música, ora outras.

A manhã vai passando e logo chega o horário do almoço. Ele sempre saia correndo para almoçar, pois gostava de comer a comida bem quente. A esposa dele já sabia o horário certinho de sua chegada. Haja chuva, haja sol, ele, no mesmo horário, estava presente e sem atraso.

Bem antes do almoço, ou seja, assim que chegou à lavoura de mandioca, ele dá um grande grito e chama pelo patrão.

- Padrinho, Padrinho!

- Venha ver o que aconteceu!

O patrão sai rapidamente ao encontro do afilhado. Imagina de tudo, desde a picada de uma cobra, se caiu e machucou, corte no pé ou na mão, enfim, pensa de tudo de ruim.

Rapidamente, chega ele e logo Chico relata:

- Eu chamei o senhor aqui, porque vi um grupo de dez tatus passeando aqui no mandiocal. Contei, mas não sei se contei certo. Eu contei dez, mas acho que tem mais...

Olhando mais para frente, os dois viram a terra removida entre os pés de mandioca. Algumas raízes estavam por sobre a terra, inclusive outros pedaços do aipim. Caminharam pelo local e encontraram mais terras removidas e outros pedaços.

- O prejuízo é grande. Temos que pegar estes tatus, pois, do contrário, eles vão comer toda a lavoura de mandioca, dizia Chico.

Chico foi almoçar. Na volta do almoço, já se encontrava na moita de bambu. Cortou vários pedaços e os carregou para dentro da lavoura. Com enxadões e pás, os dois cavaram um grande buraco no chão. Forrou o fundo com bambu e prendeu mais bambus nos lados. Na parte de cima, puseram uma tábua mais larga e no final dela, amarram mandiocas, milho e até queijo.

O funcionamento era bem simples. O tatu aproximava da tábua e era atraído pela mandioca. O milho também era muito sedutor. O queijo estava lá para dar um cheiro bem agradável. Assim que se aproximava, a tábua morgava para o fundo e o derrubava, jogando-o lá no fundo. Os bambus estavam forrando o fundo e ele não tinha para onde ir.

A noite se aproximava quando fizeram o teste. Buscaram a Gatinha para ver se a tábua morgava e levava o tatu lá para dentro. Testaram várias vezes e funcionou perfeitamente.

Escureceu e os dois foram para casa. Já cansados, tomaram banho, jantaram e logo o sono furtou os dois.

Amanheceu outro dia. Da mesma forma, Chico adentrou pela casa. De costume, tomou café, comeu pão de queijo e broa. Desta vez foram os dois para o mandiocal, pois todos estavam ansiosos para verificar se os tatus caíram na armadilha.

Assim que chegaram, viram que a tábua estava normal. Lá dentro, tinha pelo menos uns quinze tatus. Puseram água e comida para eles. A cada dia, dois tatus eram mortos por Chico. Arrumados e temperados, tanto Chico quanto o padrinho, comeram tatus até se enjoarem.

A produção de mandiocas foi muito grande. Os dois venderam a lavoura toda. Ganharam muito dinheiro, cobriram os custos de produção e ainda comeram tatu com mandioca.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 17/07/2021
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