O voo do fim da vida - Parte 3

O céu escuro e suas densas nuvens obstruindo a paisagem já não pareciam uma imagem ruim de se observar.

Pelo contrário, parecia sua única distração em meio a tanta tristeza. Agora, mais do que nunca, pensou em inúmeras outras possibilidades. Em meio a tantos pensamentos assustadores, decidiu que, ao pisar em solo brasileiro, pediria as contas imediatamente, antes que a empresa o dispensasse. Sabia que se o seu caso tomasse uma repercussão grande, não haveria tratamento algum que recuperasse sua reputação no mercado aéreo.

Porém, ainda não sabia o que fazer em relação ao casamento. Pensava em nem mesmo pisar em casa. Pensou em se hospedar em um hotel na volta, enquanto faz contato com um advogado; pensou em pousar em alguma cidade do nordeste e tirar mais cinco dias fora, para então voltar e conversar com Maria; pensou em ir direto pra casa e fazer suas malas, dizendo que já sabe de tudo. Enfim, foram tantas possibilidades, que ele ainda nem sabia o que fazer. Porém, assim como pensou quanto ao seu futuro profissional, não levaria muito tempo até que tomasse uma decisão definitiva quanto à esposa.

Por um breve momento, pensou que poderia perdoá-la. Talvez valesse mais a pena dar uma nova chance e deixá-la se explicar. Estava certo de que ela não tentaria encontrar alguma desculpa esfarrapada depois de uma confissão daquela.

Olhou outra vez para a escuridão do céu e pensou em Junior. Pegou o celular novamente e foi direto no contato do filho. Viu que Maria já havia enviado a mensagem há muitos minutos atrás, mas pensou que não adiantaria ler sua mensagem. Seria uma exímia desculpa ou tentativa de se justificar. Enquanto descia pela lista de mensagens, só pôde ler por cima:

"Beto, não é isso que você..."

"...está pensando. Na verdade, eu..." - ele pensando, praticamente imaginando a voz da esposa em sua cabeça.

Desceu mais um pouco algumas mensagens e encontrou a de Junior. Já não se falavam fazia 3 dias. E da última vez que trocaram algumas palavras, era o básico "como vem e como vai".

Curioso pelo o que pode estar acontecendo com a vida do filho e sem coragem de perguntar e ler outro "tudo vai bem por aqui", resolveu olhar as atualizações de status.

Se não estivesse sentado, certamente cairia para trás. O filho publicou uma foto com a namorada que encontrou lá nos Estados Unidos. A legenda era

1+1 = 3

Aquilo era mais que suficiente para imaginar que a nora — ou melhor, a ficante que o filho encontrou por lá — estava grávida.

Qualquer candidato ao cargo de avô ficaria feliz demais, mas naquela onda de tanta tristeza e notícias ruins, Alberto pensou no pior.

Pensou que o filho nunca mais voltaria para casa. Que era a desculpa perfeita para emendar os 6 meses em Nova York em 5 anos, sem colocar os pés no Brasil.

Pensou que fora do mercado aéreo, rapidamente iria à falência e sem a esposa. Como Júnior sempre foi mais apegado à mãe, é certo que nunca mais se veriam de novo.

Por mais improvável que tudo aquilo soasse, Alberto não tinha cabeça para raciocinar. Só conseguia pensar no pior de todas as maneiras.

Bastou 10 minutos para tomar outra decisão. Em meio a tantas tristezas e dor, respirou fundo, aguardou Fabrício acordar e ir ao banheiro. Com a saída do copiloto, trancou a porta da cabine e, sozinho, colocou um headphone com rock-n-roll no último volume. Era seu estilo favorito desde que entrou na aviação.

Tirou o celular do bolso e colocou sobre o painel, segurou o controle do aeronave e deu uma leve inclinada. Não sentiu a diferença, mas o painel apontava uma repentina descida de pés.

Os painéis apitavam em último volume, torres de comunicação tentavam fazer contato desesperadamente, batidas com força ocorriam na porta da cabine, gritos ecoavam da aeronave...foi questão de minutos até a colisão do avião com o oceano atlântico.

Era 5 horas da manhã, e os destroços da aeronave THUNDER778 passeavam pelo Oceano Atlântico.

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CH Smith
Enviado por CH Smith em 16/06/2021
Reeditado em 23/02/2024
Código do texto: T7280359
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