Os fantasmas da encruzilhada
Os fantasmas da encruzilhada (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
O Juliano estava muito triste. Na semana passada, ele teve um desentendimento com a namorada. Briga passageira e sem nexo. Motivo fútil, tudo por causa da Lurdinha, uma amiga do passado que lhe mandou uma mensagem pelo celular. No texto, assim dizia:
- “Meu lindo, estimado, nobre e grandioso amigo. Estou com muitas saudades de você, meu amado. O tempo passou e a cada dia as saudades apertam. Um forte abraço e um beijão.”
Ao mostrar a mensagem para a namorada, esta lhe tomou o celular das mãos, leu a mensagem com muita atenção, arrepiou os cabelos e com um forte golpe jogou ao chão o recém comprado celular. Custou um pacotão de dinheiro para o Juliano, que pagou com uma entrada de vinte por cento e o restante dividiu em doze vezes no cartão.
A moça não se contentando com o acontecido, fez um grande escândalo e mandou que o namorado procurasse a Lurdinha, uma vagabunda, uma piranha, uma intrometida, uma piriguete, enfim, um monte de adjetivos e muitas palavras de baixo calão. Saiu correndo e pediu que o namorado não a procurasse.
Acabrunhado com tudo aquilo, ele passou o resto da semana entre o trabalho, a casa e um bar da esquina, o bar o Sr. João.
Ouviu muitos conselhos dos amigos, principalmente o José, os avisos do Marcos e até as palavras do Padre Geraldo. Procurou ler artigos sobre a separação e as tentativas de reconciliação. Chorou pelos cantos, assistiu a filmes de romance, leu cartas de reconciliação pela internet e até procurou o poeta da cidade para lhe fornecer algumas poesias de reconciliação. Tudo estava em vão. A moça não queria mais nada com ele. Todas as vezes que tentava uma aproximação, recebia um não ou nem ligava para as palavras do namorado apaixonado.
A sexta-feira foi muito agitada. Com vários compromissos no escritório, ele sempre estava triste e com alguma esperança de um restabelecimento das relações com a amada. Ligou várias vezes para a moça, mas ela não o atendeu. O expediente no trabalho terminou mais cedo e por volta das dezesseis horas ele saiu. Assim que pôs os pés na calçada, bem à frente, viu a amada conversar e dar um longo beijo no Joaquim, um funcionário dos correios, também conhecido por Carteiro Quinzinho.
Vendo aquela cena, o sangue ferveu. Teve vontade de ir até lá e dar algumas pancadas no carteiro. Pensou várias vezes e decidiu que ficaria muito mal para ele, pois sendo uma pessoa bem vista na sociedade, um grande corretor de imóveis, uma pessoa querida, a reputação seria abalada se fosse brigar. Quinzinho era bem mais forte do que ele. Também, era professor de karatê. Uma briga, colocaria Juliano no hospital, na certa.
Parou por alguns instantes. Abaixou a cabeça, mudou para outra calçada e se dirigiu para o bar do Sr. João. Para ele, seria o único refúgio. Beberia todas e iria carregado para a casa. Apressou-se os passos e lá chegou. A cerveja já estava no ponto. Muito gelada, na mesa, um tira-gosto de primeira: Torresmo frito, com mandioca, carne de panela e um monte de pessoas para ele conversar, inclusive poderia conhecer alguém e esquecer de vez a namorada. Agora ela está com outro e ele está totalmente sozinho, solteiro, sem compromisso.
A temperatura estava muito alta. Era verão. Fazia muito calor. Logo que chegou, foi tirando o paletó do terno e entregando para o dono do bar guardar. Tirou também a gravata e disse que pegaria no outro dia.
Tomou a primeira garrafa de cerveja e comeu o tira-gosto. Estava muito delicioso. Repetiu o prato e quando ia pedir mais uma garrafa, ouviu uma voz bem suave, logo atrás dele:
- Meu amor, aqui é a Lurdinha. Cheguei da Europa há uma semana. Estive na casa de meus parentes e bateu uma forte saudade de você. Mandei-lhe uma mensagem, porém não me respondeu. Então, venho aqui para ver-lhe.
Ouvindo as palavras e o coração espumando de raiva, Juliano gira o corpo para trás e já se preparava a mão para dar-lhe uma bofetada. A mensagem foi o estopim para o término do namoro. Erguendo o braço e virando repentinamente, os olhos paralisaram, a boca parou, o braço desceu tão rápido e ele quase caiu. Estagnou-se por um momento e sentiu algo forte dentro de si.
Naquela oportunidade, Lurdinha estava muito linda. Cabelos pretos e cacheados, olhos verdes, com arremate de sombra nos olhos, os brincos de ouro em figura geométrica, lábios carnudos e o batom bem vermelho. Vestida de bermuda na cor azul, a blusa amarela bem clara, onde se via alguns desenhos semelhantes aos de praia, um lindo colar no pescoço que cobria os belos e definidos seios. No braço esquerdo, relógio de ouro e algumas pulseiras.
Juliano não resistiu. Foi logo ao encontro da amiga. Além de um forte abraço, muitos beijos surgiram e a plateia logo gritou e um senhor lá do fundo, com um copo na mão, disse:
- Um brinde ao novo casal. É casamento na certa...
Palmas foram ouvidas, gritos e vivas.
Os dois sentaram-se e beberam mais duas garrafas de cervejas. Conversaram muito e Lurdinha disse que voltou para o Brasil. Foi transferida e ocuparia a vice-presidência de uma grande multinacional instalada na cidade vizinha. O tempo foi passando. Muita conversa entre eles e decidiram sair para pegar um ar, lá no alto do morro, um lugar onde existia a estação de tratamento de água da cidade. A paragem tinha uma linda vista para cidade e muito bela.
Sob aplausos, os dois saíram. Juliano foi logo dirigindo o automóvel importado da amiga. Foram para o alto do morro e ficaram lá por muito tempo.
Por volta da meia noite, vendo as estrelas e conversando sobre astronomia, vida extraterrenas, fantasmas, assombrações, enfim, uma longa lista de conversa.
A noite estava muito linda, mas alguns relâmpagos eram vistos no horizonte. Por um pequeno momento, os dois deram uma pequena cochilada. Quando acordaram, com os olhos meio fechados, viram, perto da encruzilhada, três seres que dançavam e davam as mãos fazendo uma roda humana. Vários gemidos, vários gritos, canções africanas. Várias luzes eram vistas perto deles. O reflexo das luzes e alguns apagões refletiam em direção do casal, que pareciam que as entidades caminhavam para lado deles.
Aterrorizados, com muito medo, Juliano não conseguia ligar o carro. O casal tremia de medo e rapidamente o carro foi ligado. Sem experiência com o automóvel, ligou e foi direto em uma árvore. Amassou a frente e os dois tiveram um pequeno corte na testa. Foram socorridos pelas três entidades, que na verdade eram o Pedro, o Marcos e a Karina, que eram exotéricos e uma vez por mês, sempre na sexta-feira, iam até a encruzilhada para acender velas, cantarem e meditarem.
Não demorou muitos meses e Juliano e Lurdinha se casaram. Têm filhos e vivem muito felizes.