Sexta-feira 13 - a tragédia do cachorro
“Escrever é criar um universo paralelo ao que conheces”
Lucas Cassule
1- LÁICA
Fernando, um electricista de profissão, atropelou um cachorro enquanto seguia a avenida Deolinda Rodrigues. Ele saia do serviço e dirigia numa velocidade acima do recomendado nas zonas urbanas. O facto sucedeu-se numa sexta-feira, treze de junho do ano de 2009.
Era o aniversário do filho e ele precisava recolhê-lo num dos ATLs do centro da cidade. A esposa encontrava-se em casa, preparava o jantar especial para celebrar mais uma risonha Primavera do primogênito.
O citadino encontrava-se atrasado quase meia hora e aquele infortúnio piorou ainda mais a situação. O cão ainda respirava, os pneus do carro estavam totalmente espatifados e a estrada ficou obstruída. Fernando tentava desviar o cão e embateu na berma, impedindo outros veículos seguirem a marcha, sendo que, com o embate, o veículo fez uma meia-lua em rodopio e bloqueou aquele trajecto. Felizmente, aquele homem saiu ileso do incidente. O cachorro não teve a mesma sorte.
Fernando desceu do veículo e olhou para o cachorrinho que gania e sangrava no chão.
— Merda! Tenho de salvá-lo! — decidiu ele.
— Salve o pobre cachorro! — gritavam alguns populares.
— De quem é o cachorro? onde fica o veterinário mais próximo? — perguntou Fernando, procurando saber das pessoas que se aproximavam.
— Fica na FTU, siga sempre em frente, mais dois quilómetros, à sua direita! — disse um jovem aos gritos e sem precisar mais detalhes da clínica.
Ele segurou aquele cachorro peludo de cor branca e nem se importou com o sangue que escorria e lhe sujava as vestes, ao mesmo tempo, tirou o telemóvel do bolso, ligou à seguradora e deu a localização do incidente, solicitando um reboque. De seguida, meteu-se a correr com o cão, rumo à sua salvação. Um herói em acção!
Enquanto caminhava, bateu-se com o pé numa pedra e feriu-se, sangrando de imediato. Ele mirou para os pés sobre as sandálias, sentiu-se tentado a baixar para confortar-se. O pé doía como o inferno e mil vozes ecoavam no seu interior “larga esse cachorro vadio!”, “deixa ele morrer!”, pensou em dar ouvidos ao seu subconsciente e desistir da missão.
Ele caminhava em passos lentos, e matutava se desistia ou prosseguia.
— Falta-me meio caminho e o ferimento nem é grave, posso chegar lá e salvar o cão sim!
Então, deu continuidade a missão. Minutos depois, chegou a clínica ensanguentado e suado, com os pés todo empoeirado.
Uma hora se tinha passado desde que chegara à clínica, recebeu a notícia que o Láica — nome carinhoso que ele tinha acabado de dar ao cachorro —, estava fora de perigo.
No mesmo momento, um telefonema de uma das professoras do menino.
— É o pai do Kyaku?
— Sim, quem fala?
— Sou a Mirian, professora dele… Olha, pela hora, tive que levar o menino a minha casa aqui no Morro Bento. Não podia deixá-lo com os seguranças no ATL. Por favor, pode vir buscá-lo?
*
No cair do crepúsculo, Fernando telefonou para um amigo que detinha um veículo a fim de levar-lhe a casa da professora.
"Mano, estás nos congolense, certos? Pronto, chego em uma hora!", disse o amigo ao telefone.
— Credo! Agora vou esperar uma hora! Ainda por cima, vai ser o triplo da viagem. Essas escolas têm que começar a contratar pessoal que vive nas proximidades! — Fernando bradava e reclamava sozinho.
O jovem electricista resmungava com razão, pois ele e a família vivem na Ilha e a Escola fica no 1º de Maio, ainda assim, o facto de o filho estar em segurança, acalmava os seus ânimos.
No entanto, Fernando tinha decidido aproveitar melhor o tempo de espera, foi a farmácia e comprou suprimentos para a ferida no pé, amarrando com uma ligadura após uma ligeira limpeza. Entrou numa pastelaria ao lado e comprou um bolo de aniversário para o filho.
Trinta minutos antes recebeu outro telefonema do amigo dizendo: “mano, meu carro está a apresentar um problema mecânico, não pega, me desculpa. Não consigo safar-te”, foram as palavras do amigo ao telefone.
— Merda! Agora estou paiado! Que inferno de sexta-feira é este?
Fernando decidiu então apostar todo o dinheiro que tinha no alugar de um serviço de táxi personalizado, a única solução que lhe pareceu plausível no momento.
*
Enquanto era levado para Morro Bento, recebeu outra chamada, a professora do filho tinha acabado de sofrer um ataque cardíaco, era necessário apressar-se porque não havia ninguém naquela casa para tomar conta do menino.
Fernando revelava-se frustrado e completamente agitado com a situação, despejando toda a pressão ao condutor, pressionando-o a conduzir mais depressa.
— Tenha calma, deixa-me fazer o meu trabalho! Melhor chegar atrasado e em segurança! — Este dizia-lhe.
De repente, foram interrompidos a seguir a marcha por um agente de trânsito, mesmo na zona do Rocha-pinto. Por mais que insistissem e explicassem as causas do excesso de velocidade, o agente não entendia. Fernando está enfurecido!
O motorista irritou-se com o policial, inferiu um soco no rosto do mesmo, deitando tudo a perder para aquele dia. O condutor foi preso de imediato e o Fernando foi levado em custódia para dar depoimento.
Fernando não aguentou a pressão, desmaiou enquanto seguia no carro da polícia, foi encaminhado de emergência numa das clínicas daquelas mediações.
Ao recuperar sua lucidez, Fernando depara-se numa cama de hospital com a esposa e o filho ao seu lado. Dois agentes da polícia segurando o bolo e uma vela nas mãos a fim de cantarem os parabéns ao Kyaku ali mesmo!
Enquanto se encontrava desmaiado, os agentes da polícia atenderam o seu telemóvel e aperceberam-se do incidente com o filho na casa da professora, então, estes decidiram resgatá-lo no Morro Bento. Ao regressarem, passaram à casa do Fernando buscar a esposa. No final de tudo, havia uma pequena festa naquele consultório. Médicos, policiais e civis riam da história hilariante que o Fernando fazia questão de contar enquanto comiam aquele bolo.
Tinha sido um dia negro para Fernando…
Fim
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