Te quero porque te amo

Há dias estava sem nada a fazer, ponto de arrefecer. Algo em que nas poucas ousadias restadas, perambulava pelas ruas. Rotina sem gosto. Eu sempre me estonteava, me compelia a fazer uma parada obrigatória. Tinha um lugar que era o meu ponto ideal, onde na maioria das vezes me deparava com uma linda mulher, que mulher! Quando eu espreitava o seu corpo delineado, ficava fascinado, impossibilitado de governar o meu pescoço e o meu coração.

O tempo passou. Tempo maldito! Por mudança de emprego fui forçado a deixar aquele trajeto de lado deixei aquele trajeto de lado, exceto nos dias de folga. Trabalhava, entretanto, de forma corrida. Trabalhava o suficiente para tentar me restabelecer do vazio provocado pela ausência daquela mulher em minha rotina.

O desejo, o sufoco, a dependência de começar a ter contato com ela obrigou-me a arrumar um meio de nos aproximar, conquistando sua amizade. Que voz! Sua voz foi a gota d’água. Nada que eu fizesse para conquistá-la poderia dar errado. A sua amizade seria essencial e tornaria tudo mais fácil. Fácil mesmo não foi. Por mais que ela alegasse nunca ter se apaixonado por um homem, confessou-me o medo de isso acontecer.

Como amigo eu procurei alertá-la. Ela precisava abrir o coração. Assim, eu teria uma resposta. Por amor a ela, não desisti da batalha. Ao longo da nossa amizade, tivemos o nosso primeiro encontro, o primeiro encontro sem ser como amigos. Forçar eu nunca forçaria. Nunca passou pela cabeça. Eu queria implorar para que rolasse alguma coisa entre nós.

Num certo dia, devido aos problemas financeiros que me assolavam, minimizei um pouco a minha atenção. Só a atenção, pois o amor e a necessidade de tê-la continuavam firmes. Por volta das quatro horas da tarde deste dia, ainda de expediente, recebi um recado dela. Pediu que eu fosse ao apartamento dela. Prometi e cumpri. Cheguei por volta das sete da noite. Entrei rápido e na primeira oportunidade a beijei.

Não sei se aquele beijo que trocamos saciou a sede da minha alma ou se transbordou ainda mais o meu sentimento. Quem ama ou já amou alguém sabe do que estou falando. De todos os beijos que trocamos aquele foi o mais provocante. Não da minha parte, mas da parte dela. É claro que sempre procurei dar o meu melhor, afinal eu a amava. Fiquei fascinado, mas dei uma pausa e tive que perguntar se estava tudo bem. Ela suspirou e disse apenas para continuarmos.

Ainda estávamos na porta. Só fomos cair na realidade quando nossos sentimentos se manifestaram como atitudes de namorados. Entramos, conversamos um pouco e logo, ali naquele apartamento tudo rolou. Tudo. O início de uma das melhores fases da vida de um homem. Entregamos um ao outro, sem receio, apenas de corpo e alma. De corpo e alma! Palavras tão ocultas. Palavras tão abstratas, mas com um significado tão lúcido na vida dos que já passaram por esse momento.

Mulheres são todas iguais. Não é não. Com a amada é diferente. É tudo mais fantástico. É como se fosse a obra original com a melhor qualidade. Nos envolvemos tanto, tanto. Não dava para levar a vida daquele jeito. Assumimos um compromisso. Nos casamos justamente no dia de bodas de açúcar do nosso namoro. Tínhamos tudo para honrarmos o nosso juramento cerimonial até o fim da nossa jornada. Tentamos nosso primeiro filho, que não vingou. Continuamos, unidos, então, e nos apoiando.

Anos mais tarde nos preparamos novamente para ter um filho. A segunda tentativa tinha tudo para dar certo. E deu, até os nove meses. Faltando poucos dias para ela ganhar o bebê, a tragédia aconteceu. O bebê não aguentou. Ela sobreviveu, pelo menos fisicamente. Psicologicamente estava arrasada. Demos um tempo para nos reestruturar antes de tentarmos pela terceira vez.

Minha esposa decidiu não ter um filho do próprio ventre e me convenceu a adotarmos uma criança. Adotamos também algumas condições: a criança deveria vir de uma cidade distante e a babá deveria ser de outra cidade distante. Ninguém precisaria saber da adoção do nosso filho, tampouco, a babá especular a nossa vida.

A trinta quilômetros de onde morávamos, adotamos Douglas. Não sei como, mas uma babá de outra cidade a quinze quilômetros da nossa, soube da vaga e suplicou-nos para contratá-la. Ficamos com ela e nos demos muito bem. Por intermédio dela contratamos Élder, nosso motorista. Nos primeiros anos tudo foi uma maravilha. Deixávamos o pequeno Douglas com eles a fim de curtirmos a vida como dois namorados, tempo suficiente para Douglas chamá-la de mãe. Ana não gostou e por várias vezes reclamou com a babá.

O motorista, ele era mais na dele. Certas vezes, quando estávamos todos reunidos, em seus olhos cintilantes e seu semblante pensativo, eu via alguma coisa, só não entendia o recado. Eu tentava não levar tão a sério, mas minha esposa começou a pegar no meu pé. Segundo Ana, a presença da babá estaria virando nossas vidas de cabeça pra baixo. A babá era espaçosa quando se tratava de Douglas. Muitas vezes parecia de fato ser a mãe do nosso filho. Ana chegava a ser rude, arrancando Douglas dos braços dela sem dar qualquer satisfação.

Cenas, acontecimentos, fatos, uma bola de neve começou a causar-me insônia. Será que que a babá estaria tendo o mesmo problema do que eu? Peguei-a três vezes zanzando pela casa. Na primeira, não perguntei nada, afinal ela se demonstrou muita inibida. Na segunda resolvi perguntar. Ela disse que estava matando a sede. Na terceira vez deu a mesma resposta. Hoje, quando caio na realidade, tenho dentro de mim uma resposta diferente. Penso que suas andanças pela casa era para espionar nossas fraquezas e tecer um terrível plano contra nós.

Tudo começou a vir à tona quando Creusa foi flagrada por Ana, obrigando nosso filho a chamá-la de mãe. Douglas já estaria nos seus três anos. Entediada com o fato, Ana desabafou em palavras o rancor há anos guardado. Creusa constantemente implorava perdão, assustando Douglas. Élder precisou interferir, tirando Creusa da sala. Ana me ligou. Disse em tom áspero que Creusa haveria de me procurar para acertar seus direitos trabalhistas. ligou-me avisando que Creusa haveria de me procurar acertando seus direitos trabalhistas. Detalhou o motivo e eu dei razão.

Douglas adoeceu. Sem recursos resolvemos recontratá-la depois de duas semanas. Atitude desastrosa. Momento adequado para a megera colocar em prática os seus planos malignos. Atos estranhos começaram a acontecer pela casa. Cheguei a suspeitar de Ana e Élder. Eu não queria acreditar. Eu nunca havia suspeitado da minha esposa. Eu a amava. Ela jurava me amar, mas as pistas eram constantes.

Num determinado dia, cheguei de manhãzinha em casa, devido a uma viagem de serviço que me fez ficar uma semana e meia fora. Flagrei com os meus olhos minha esposa despida dormindo, enquanto roupas de Élder também estavam lá. Já ele, havia saído. A primeira coisa que pensei foi tirá-la de casa. Élder foi junto.

Douglas continuou comigo. Mesmo assim a casa parecia vazia. Tirei Ana da casa, mas não do coração. Eu continuava pensando nela. Se não fosse pelo meu maldito orgulho, eu a procurava. A atenção de Creusa por Douglas foi dobrada, mas eu já não me preocupava com aquilo. Só pensava em Ana.

Minha casa tinha três empregadas: a babá, a cozinheira e a secretária do lar. Todas sentiam em carne viva o desespero que eu, tolo, tentava disfarçar. Creusa não tocava no assunto. Sentia e muito a falta de Élder. Nessa época eu soube que eles já foram até namorados.

Um dia, pasmado com essa notícia, procurei chegar nela desmitificando minha curiosidade. Creusa recusou a tocar no assunto. Alegou necessitar se amparar nas poucas forças restadas para cuidar de Douglas, que estaria sofrendo e muito com aquela tragédia. Aquilo me surpreendeu! Comecei a criar carisma por ela. Nossa! Como uma mulher passando pelos problemas de Creusa, ainda continuava a viver naquela situação? Perplexo, procurei respeitá-la, admirá-la em silêncio.

Ana continuou a fazer falta para mim. Pela conversa pegada pela casa, ela aparentava ter-me esquecido. Sempre aparecia em casa, nos horários da minha ausência. Fiquei até sabendo do papel de divórcio junto do direito de ficar com Douglas. Eu não estava pronto pra isso, nem recuperado. Deitava, dormia, levantava. Deitava, dormia, levantava.

Um papel na justiça para tirar Douglas de mim foi fatal. Poderia não parecer, mas ele era a única coisa que me animava a levar o barco adiante. Procurei por orgulho me distanciar de Ana, mas dessa vez foi diferente. Tive que procurá-la para tratar deste assunto.

Nosso encontro aconteceu! Foi na casa de uma de suas amigas, uma das madrinhas do nosso casamento. Ana me tratou com frieza. Poucas palavras. Só em olhá-la, fragilizei. Conversamos apenas sobre Douglas, até que por fim, confessei que sua ausência me matava aos poucos. Pude ver minhas palavras penetrarem no seu coração, enquanto sua seus lábios pareciam não me perdoar. Chorei. Implorei. Confessei.

Ana, por fim, me condenou. Disse que fui injusto, que o que eu havia avistado fora uma cilada de alguém dentro da própria casa. Eu sentia a necessidade de acreditar naquelas palavras dela. Aquela conversa deu-me o direito de mais vezes nos encontrar. DE início foram só suplicações, mas aos poucos fomos nos entendendo e ela retornou para a casa.

Quanto ao Élder, não vimos mais. O que eu via sempre era o desejo de Ana em querer Creusa longe de casa. Com receio de a perdê-la, acatei a decisão. Creusa saiu. Como Douglas já estava com quase quatro anos, aos pouquinhos fomos conversando com ele. Foi difícil, mas ao decorrer do tempo, ele foi vagarosamente aceitando.

As coisas aparentavam entrar no eixo. Entretanto, com três meses, levando a vida conjugal, uma correspondência chegou a nossas mãos. Era um intimado da justiça. Abrimos e necessitamos contratar um advogado. Era Creusa pedindo na justiça a guarda de Douglas. Que Bomba! Creusa era a mãe biológica de Douglas! Assustados, corremos atrás de Élder, para sanar algumas coisas pendentes a nossas cabeças. Não o encontramos. Descobrimos, ele havia falecido. Que espanto! Era ele a nossa esperança de desmascararmos Creusa.

Audiência marcada: daqui a dois meses. Tempo purgatório! Vejo nos olhos de Ana o desespero. Estou feliz por Ana estar de volta, mas não quero, não posso perder Douglas por nada nesta vida. Não consigo pensar na minha vida sem ele. Não consigo pensar em nossa casa sem ele, não encontrar aquele rostinho angelical correndo atrás de nós.