TRAIÇÃO

Quando meu telefone tocou por volta das dez horas devo confessar que já esperava aquela ligação. No dia anterior já tinha sido avisado do encontro que minha esposa teria com o homem naquela tarde.

Enquanto falava com Coutinho, o detetive que contratado para vigiar minha esposa, hesitei se deveria contar a ele sobre a conversa que tive no dia anterior e também sobre o dinheiro. Na duvida preferi não dizer nada.

O detetive me informou que o encontro seria no hotel Park House ás quatorze horas e que a duas semanas um quarto estava alugado por minha esposa e que a transação tinha sido realizada com seu cartão de crédito. Antes de desligar passou-me o endereço do hotel, embora eu já soubesse que ele ficava na Avenida Jacobina Maurer no centro da cidade e me perguntou se eu tinha certeza de que queria mesmo fazer o fragrante. Imaginei que era o tipo de pergunta que ele deveria fazer a todos os clientes com suspeita de adultério. Respondi que sim, era importante para o divórcio e para conseguir a guarda das meninas, Carolina e Alexandra, nossas filhas de seis e dois anos. O detetive sabia que na realidade só Alexandra era minha filha legitima, tenho por Carolina um amor imenso e a aceitei como minha desde novinha. Quando confirmei para o detetive que não precisava de sua presença ele desligou desejando-me boa sorte, como se sorte pudesse fazer parte de uma situação como aquela. Na verdade já não sabia ao certo o que esperar desse confronto.

Coutinho foi contratado há três meses. Segui a recomendação de Álvaro meu amigo de muitos anos; era padrinho de meu casamento, fizemos faculdade juntos e desde então sempre foi meu confidente. Quando contei do comportamento estranho de Gabriele ele prontamente me passou o telefone do detetive e falou: "Pode não dar em nada, mas eu em seu lugar abriria o olho, sua mulher é uma tremenda gata e eu já passei esse numero até pro Sandro lá do hospital e com ele foi tiro e queda". Enfim, aceitei o conselho de Álvaro, o amigo sempre foi mais esperto do que eu para essas coisas. Liguei marcando uma entrevista.

No primeiro dia contei para o detetive toda a minha intimidade de casal com Gabriele, sem saber se ele se interessaria por esses fatos. Relembrei como conheci minha mulher no hospital, quando ela foi levar a menina para uma consulta com o pediatra Dr. Denis Rodrigues, que sou eu. Falei que éramos casados há cinco anos e que minha esposa não tinha muitos amigos e seu único parente era uma tia que vivia na Bahia e pra qual Gabi mandava algum dinheiro de vez em quando, pois tinha a mulher como mãe. Os pais de Gabriele morreram em um acidente de carro quando ela era criança. O pai de Carolina era um covarde que não quis assumir a filha e se mandou pra Alemanha para fazer a vontade da família. Sei que minha mulher e ele não mantém contato. Por fim expliquei o porquê de minhas suspeitas. Gabriele de uns tempos pra cá tem se mostrado nervosa e evasiva, vinha recebendo uns telefonemas que a irritavam embora ela tentasse disfarçar, saia com frequência à tarde e até a noite e quando questionada mostrava pretextos que me pareciam estranhos.

Para meu desespero o detetive logo apresentou resultados consistentes. Fotos de minha mulher se encontrando em locais públicos com um homem bem mais velho que ela, extratos com a movimentação da conta corrente com retiradas frequentes e volumosas, listas de chamadas no celular da minha esposa. Em resumo era dossiê com um arsenal completo que tinha um único objetivo: revelar que eu era traído.

Depois da ligação de Coutinho trabalhei sem animo por mais uma hora e sai para almoçar deixando a recomendação para que a secretária desmarcasse todas as consultas daquela tarde, tiraria o restante do dia de folga.

Agora são 14:20 horas e estou no Park House em frente a porta do quarto 116 sabendo que quando passar pela porta estarei dando um passo decisivo para um futuro de mudanças. Uma nova vida na qual temo que Gabriele não tenha parte.

Parado naquele corredor de hotel me retomou um pensamento recorrente. Onde teria errado para estar naquela situação? Amava demais aquela mulher. Desde o primeiro encontro tivemos uma forte atração e no dia seguinte quando ela esteve no meu consultório para buscar o celular que tinha esquecido em minha sala no hospital já confirmamos o interesse recíproco e marcamos de sair e a partir disso estamos juntos. Nunca deixei faltar nada para ela ou para as meninas. Minha família é rica e alem disso tenho profissão, sou um médico conceituado. Minha dupla jornada no hospital e no consultório particular me permite dar a elas uma vida confortável. Tenho 38 anos e nossa vida sexual é intensa mesmo após cinco anos casados. Não conseguia entender como ela podia me trocar por um homem que possivelmente tinha idade para ser seu pai.

Ansioso bati na porta do quarto e esperei ser atendido. Doía-me imaginar o que eles faziam do outro lado. Lembrei que graças a Deus nas fotos entregues por Coutinho não havia beijos entre amantes ou caricias publicas. Seria humilhante. Humilhação agora que eu estava disposto a enfrentar. Grandes mudanças exigem atitudes drásticas...

Passado um minuto a porta se abriu. Gabriele ainda vestida me encarou com olhos de espanto e perguntou:

_O que você está fazendo aqui?

Não respondi. Empurrei ela, escancarei a porta do quarto e entrei. Descobriria em seguida que a traição de minha amada esposa era muito maior do que eu poderia imaginar...

PARTE 2

Assim que entrei vi o homem sentado numa poltrona e bebendo alguma coisa. Mal o reconheci como o mesmo das fotos. Ele estava sem camisa e deu para perceber o quanto ele era magro, embora tivesse músculos bem definidos; seus olhos eram negros e fundos, seus cabelos um tom cinza-prateado e seu aspecto geral fazia parecer que o homem tinha ao menos o dobro de minha idade. Em sua aparência o que mais me impressionou foram as tatuagens, dezenas delas cobriam-lhe a parte superior do corpo, braços e costas.

Ao me ver o sujeito levantou-se e veio ao meu encontro com os braços abertos e um sorriso artificial. Tratou-me como se fossemos grandes amigos. Falou:

_ Finalmente vou conhecer seu adorável ma-ri-di-nho. Fez assim, com pausas que pareciam ridicularizar minha condição e rindo-se por uma piada oculta que só ele entendia.

Não premeditei minha reação. Fui dominado pela raiva pelo que ele fez e também por fazer minha esposa mentir pra mim. O velho era uma ameaça a meu futuro e ao meu casamento. Precisava ser destruído. Sem pensar nas consequências parti pra cima dele dando-lhe um soco.

Pego desprevenido o homem curvou-se com meu primeiro soco. Em seguida acertei-lhe uma joelhada no nariz e um novo soco, dessa vez na barriga.

Gabriele gritava desesperada e tentava em vão puxar-me pela camisa:

_Denis, para! Voce vai se machucar. Larga ele!

_ Denis, não faz isso!

Cansado pelo esforço parei. Não costumo me envolver em brigas.

O anfitrião levantou-se com o nariz sangrando e um corte nos lábios. Sorriu para nós dois e acrescentou:

_Seu adorável doutor bate bem. Faria sucesso de onde eu vim. Vai me dizer que além de médico ele também é pugilista?

Gabriele não se deu ao trabalho de responder a pergunta retórica. Em vez disso repetiu o questionamento inicial:

_Denis o que você está fazendo aqui?

Minha raiva momentaneamente contida voltou-se contra ela:

_Como assim? O que eu estou fazendo aqui? – falei num grito. Eu é que deveria estar te perguntando a mesma coisa.

Ela tentou:

_Esse encontro não é o que você deve estar pensando. Eu posso explicar...

_ Isso Ga-bri-e-le. Explique para o seu adorável esposo. Conte a ele mais uma de suas mentiras.

_Cala a boca Vitor! – ela berrou do seu lado do aposento. Depois como se ela tivesse um insight ela perguntou pra ele:

_Isso é coisa sua, não é Vitor? Foi você que trouxe ele pra cá.

O homem não confessou a verdade. Preferiu atacar-me:

_Não seja ridícula minha adorável. Você não percebeu que ele colocou um detetive para te seguir? – Vitor falou isso e lançou-me um olhar e sorriso zombeteiros. Constatei que ele era assim, dissimulado, cínico, manipulador, sempre com um sorriso falso e dono da situação. Imaginei secretamente que ele seria um "bom político", se esse fosse o caso.

_Isso é verdade Denis?- minha esposa perguntou agarrando-me pelo braço.

Me desvencilhei do contato físico. Baixei os olhos. Não respondi. Era humilhante admitir.

-Claro que é - o velho interferiu.Porque contaria pro seu adorável Denis sobre o nosso encontro?

_Porque Denis? – Gabi suplicou.

Dessa vez respondi:

_Você ainda me pergunta? Há meses você está diferente comigo, anda nervosa, saindo de casa pra esses seus encontros clandestinos. Você realmente achou que eu fosse idiota... Parei de falar, momentaneamente tive pudores de discutir a nossa relação na frente daquele estranho.

_Bom, agora que acertamos o motivo de todos estarmos aqui vou pegar mais um Whisky porque aquele que eu estava tomando o seu adorável marido derrubou – o homem falou em uma encenação teatral. Continuou:

_ Quer uma dose também Denis? – gracejou. Deveria aceitar, isso acalma os nervos, alem disso esse Whisky é excelente, alias como tudo nesse hotel. Luxo. Você deve ter mesmo muito dinheiro – finalizou apontando-me com o dedo. Era obvio que indiretamente eu bancava aquela mordomia.

Virou-se para a mulher já com um copo na mão.

_E você minha adorável, aceita? Você sabe, de onde eu vim não servem bebidas assim.

Gabi recusou e dessa vez eu peguei a deixa.

_E de onde você vem?

_Da Bahia, mais precisamente de um presídio – disse sorridente e sem hesitar.

_O quê?! Você está me trocando por um presidiário? Eu mal podia acreditar no que estava acontecendo. Quer dizer, se é que isso é um adultério. Já nem sei mais a natureza dessa relação que vocês tem. Meu Deus! Um presidiário...

_Calma ai, rapaz – falou o ex-detento. Isso é preconceito. Eu já cumpri a minha pena.

_Ah, sim. Claro. A-do-rá-vel. Eu sou muito, muito preconceituoso... - afirmei com ironia. Só falta você me dizer que é inocente ou que roubou galinhas para matar a fome.

_Não. Não sou inocente. Passei dezoito anos preso por matar minha mulher a facadas.

Fiquei boquiaberto. Sinceramente não esperava tamanha sinceridade e uma confissão de culpa.

_E a propósito, você tem razão. Isso não é um adultério. E eu por ter passado tantos anos preso tenho uma percepção diferenciada, por isso descobri o seu investigador na segunda semana em que o vi sempre nos mesmos lugares em que eu e ela estávamos.

_Chega Vitor! Você já falou demais. Você não tem o direito – interveio minha esposa que ouvia tudo de modo apreensivo.

_Sim, minha adorável. Tem razão. Vamos acabar com esse lenga-lenga que já esta me cansando. Você vai contar a verdade pro seu marido Gisele ou prefere que eu conte.

_Gisele? Quem é Gisele? – repentinamente me senti perdido no meio daquela conversa.

O velho explodiu numa gargalhada teatral. _Esse seu adorável doutorzinho não sabe quem é Gisele?.

Minha esposa gritou:

_Desgraçado! Você armou tudo. Não vou deixa-lo destruir a minha vida.

A mulher que nesse momento estava as minhas costas repentinamente avançou para a frente portando uma grande faca de cozinha nas mãos, que acredito ela tenha trazido na bolsa. Avançou contra o homem á minha frente.

Num movimento rápido, até pra sua idade, o tatuado esquivou-se do golpe fatal que pegou de raspão em seu ombro, formando um corte. Em seguida ele esbofeteou a mulher que caiu no chão desmaiada.

Controlei a revolta diante da brutalidade da cena. Corri em direção a Gabi para prestar-lhe socorro. Não sei se era o meu amor ou meu instinto de médico que me guiavam.

_Não se preocupe. Ela ficará bem. Como vê eu também sei bater. Estou acostumado a ter brigas assim na prisão e ela está apenas "sonhando com os anjinhos". Pronto! Não precisamos mais fingir, meu adorável genro. Vi que você realmente depositou o dinheiro.

_Genro?! – exclamei.

_Sente-se aqui. Vou te contar toda a verdade, afinal é pra isso que você está aqui.

Assenti em silencio e obedeci

O homem então se apresentou:

_Meu nome é Vitor Sena e essa daí é Gisele, minha "adorável" filha...

PARTE 3- FINAL

_Impossível - falei. Minha imediata reação diante da revelação foi de incredulidade.

O homem não disse nada. Foi lentamente até a cama, cortou uma tira do lençol com a faca e com ela improvisou uma atadura para o ferimento.

Eu como médico deveria ter oferecido ajuda, aquele corte poderia infeccionar, mas estava muito confuso pra pensar em qualquer outra coisa. Ele percebendo minha súbita apatia tomou controle da situação dando-me ordens:

_Você! Pega ela e a coloque aqui na cama.

Meio aturdido fiz o que me foi pedido. Gabriele não reagiu permanecendo nocauteada.

Implorando por uma réplica do velho continuei:

_ Você não pode ser o pai dela. Eles morreram num acidente de carro quando ela era criança.

_Ah! Verdade! Então me diga meu adorável: Onde ela estava no momento do acidente se não com os pais?

Não tinha resposta para aquilo. Nunca perguntei e Gabi era evasiva quanto ao assunto. Eu achava que era trauma e não insistia. Percebi que realmente sabia pouco sobre o passado de minha mulher. Tudo é ela que tinha me contado, ou seja, uma verdade vulnerável, sem provas. Mas também o sujeito ainda não tinha me apresentado nada concreto. Resolvi que ele tinha inventado aquela historia fantasiosa apenas para retirar dinheiro de mim. Precisava ouvir o que ele tem para me contar.

Vitor sentou-se a minha frente e continuou:

_Não sei porque ela te contou isso, mas a realidade é que sou sim o pai de sua esposa.Talvez ela tenha vergonha do próprio passado. Não deve ser fácil admitir que seu próprio pai foi o responsável pelo assassinato de sua mãe. É horrível, mas foi o que fiz. Creio que seja o único real arrependimento que tenho na vida.

Observei um vislumbre de tristeza no olhar de Vitor, algo muito diferente da falsa simpatia oferecida até então..

Vou te contar tudo desde o inicio:

_Não tive um bom casamento. Idalina não me respeitava como marido. Era ousada, audaciosa, provocativa. Minha filha hoje se parece muito com o temperamento da mãe.

Assenti em silencio.

_Minha mulher não fazia o servido da casa e pra piorar era uma vagabunda. Saia com todo mundo. Me ridicularizava, mas eu a amava.

_ Eu tinha ciúmes e comecei a beber. Nossas brigas se tornaram frequentes e um dia embriagado e cego de ódio a esfaqueei. Foram dez facadas. Fui preso imediatamente. Minha filha tinha onze anos. Ela me abandonou. Jamais foi me visitar na prisão, apesar de eu sempre escrever para a minha irmã da prisão perguntando por ela.

_Veranilda, minha irmã, criou a menina. Não teve momentos fáceis. Não sei se por revolta ou se pela personalidade que puxou da mãe Gisele sempre foi uma adolescente difícil, envolvida com más companhias. Minha irmã fez o que pode.

Quebrei meu silencio e falei:

_Ela me falou dessa tia. Diz que tem a ela como uma mãe. Manda dinheiro de vez em quando, me parece que ela é meio doente...

_Veranilda?! – ele me interrompeu. Não. Minha irmã não tem nada de doente. O dinheiro ela manda pra Giovana. Foi obrigada judicialmente a pagar uma pensão pra menina.

_Espera. Giovana? Quem é Giovana. Eu estava perdido na conversa novamente.

_Giovana é a filha dela. É uma linda menina autista. Está com 13 anos. Gisele abandonou a menina quando nasceu. Depois veio pra cá seguindo Adalberto.

_Imagino que esse Adalberto seja o pai da criança...

De Giovana? Não! Veranilda acha que nem mesmo minha filha saiba quem é o pai. Há suspeitas de que ela trabalhava como prostituta.

_Para! – gritei. Você é completamente louco. Eu conheço a minha mulher. Sou casado com ela. Você não quer que eu acredite que ela é uma mãe insensível que abandona a filha doente e que ainda por cima trabalhava como prostituta. Isso é demais pra mim.

Em respeito Vitor ficou calado. Eu estava perplexo e enojado de toda aquela historia, mas algo dentro de mim intuía que aquilo podia ser verdade, embora eu tentasse lutar contra esse sentimento.

Vitor foi até o bar, preparou uma dose de whisky com algumas pedras de gelo e me serviu:

_ Bebe! Isso vai te fazer bem.

Aceitei o copo.Geralmente não bebo. Precisava de alguma coisa que me ajudasse a enfrentar tudo aquilo.

_Eu sei que não deve ser fácil pra você ouvir tudo isso.Se quiser pode ir embora. Você já cumpriu sua parte do acordo.

Tomei um longo gole da bebida. Respirei fundo e pedi:

_Continue. Quero saber tudo.

_Como te falei. Ninguém sabe quem é o pai de Giovana, mas da outra filha certamente é Adalberto; pelo que soube eles continuaram se encontrando mesmo quando ele estava preso.

_Prisão?!

_Sim. Trafico de drogas.Gisele tinha um amor bandido por esse homem. Também ela foi presa. Por ser réu primaria sua pena foi de apenas dois anos.

Tudo aquilo era muito mais sórdido do que eu poderia imaginar. Minha esposa, a mulher que eu amo e com quem dividi todos os dias dos últimos cinco anos envolvida com abandono, drogas, prostituição.

_E porque esse nome? – questionei.

_Gabriele. Não sei. Talvez ela quisesse apenas se livrar do passado e recomeçar assim que saiu da prisão. Impossivel saber o real motivo... O que posso te garantir por minha experiência de vida é que nesse mundo se consegue qualquer coisa com dinheiro ou sexo, inclusive uma identidade falsa.

Concordei com a simplicidade desse raciocínio.

_E quanto a esse homem , Adalberto?

_Ah, esse está comendo capim pela raiz, meu adorável. O cara era tão filho da puta que os amiguinhos da prisão degolaram ele durante uma rebelião há alguns anos. De qualquer forma ele era a única ligação de Gisele com esse mundo de crimes e pelo visto ela encontrou um jeito mais fácil de ganhar dinheiro: casando-se com você.

Ouvir aquilo talvez me tenha doido mais do que todo o resto. Era bem possível que Gabriele nunca tivesse me amado e tenha se casado comigo apenas interessada no dinheiro de minha família.

_Aposto que ela forçou um segundo encontro quando te conheceu.

Intimamente lamentei que pudesse ser verdade. Lembrei-me da história do celular supostamente e convenientemente esquecido em minha sala no hospital. Graças a isso tivemos um segundo encontro, caso contrario ela seria só mais uma mãe de paciente co uma criança doente no colo, ainda que não possa negar a atração que ela me despertou.

Ainda buscava alguma prova contraria:

_ E como você a encontrou?

_Quando sai da prisão há dois anos voltei pra Bahia. Estava determinado a reconquistar o amor de minha filha e conseguir o seu perdão. Lá eu soube de parte dessa historia, conheci minha neta e soube que ela tinha vindo pro sul seguindo o namorado barra-pesada dela. Por alguma razão mesmo sob nova identidade os depósitos da pensão de Giovana continuaram sendo feitos. Com o numero da agencia de origem soube que ela estava nessa cidade. Depois disso fui ajudado por um golpe de sorte e vi uma foto de vocês juntos na coluna social do jornal. Era numa comemoração de sua família. O texto dizia: "Família Rodrigues comemora 50 anos dedicados a medicina".

_ Sei. E quando a encontrou resolveu fazer chantagem?

_Não. Quando a encontrei a seis meses desejava reconquista-la. Ingênuo acreditei que trazendo noticias da filha que ela abandonou teria um caminho mais fácil. Foi ela quem resolveu me ajudar. Não nego que aceitei de bom grado. Se ela pode, porque não? Sou um velho e ex-presidiário. Quase ninguém me dá emprego. Uma hora eu percebi que ela não me pagava pelo que eu falava sobre a menina, mas sim pelo meu silencio. É obvio que ela tem muito a perder.

_E o que aconteceu? A fonte por acaso secou? Resolveu pular fora do barco porque descobriu o meu detetive? Ou tinha intenção de chantagear a nós dois?

_Sei que será muito difícil você acreditar nisso, mas ainda quero a felicidade de minha menina. Sou um homem religioso, me converti na prisão. Não creio que seja possível ela ser feliz vivendo uma farsa. E gostei de você. Parece-me um cara integro. Alguém que valoriza a verdade...

Aplaudi o belo discurso:

_Sim e como valorizo afinal você lucrou 30 mil contando-me essa história absurda. Foi mais fácil que sorteio de televisão. Bastou me ligar, dizer que sabia algo importante sobre a minha esposa, marcar esse encontro e cilada para ela e pronto. Ganhou no ato.

_Não neguei que preciso de dinheiro, mas não se preocupe não vou te extorquir mais nada. Vou sumir. Como percebeu por essa ferida a faca a minha filha me odeia. E você sabe que isso não é tão absurdo. Se tivesse duvidas não teria pagado o valor. Só estou aqui porque você fez o deposito e tudo o que eu disse eu posso provar.

_Provas?

_Sim. O numero do processo de Veranilda pedindo a pensão pra menina, os comprovantes do depósito e a ficha policial contra ela o seu investigador pode conseguir se procurar. Não encontrou nada porque ele procurava um adultério e não uma lista de crimes. Por enquanto tenho apenas isso.

Nesse momento Vitor tirou os sapatos. Pude ver no peito do pé dele a mesma mancha de nascença parecida com um peixe que tantas vezes eu beijei nos pés de minha esposa. Aquela visão me atingiu como um choque. Ele era realmente o pai de Gabi, ou Gisele como ele a chamava.

Olhei para a cama com o coração partido. O amor que sentia pela mulher ali deitada se transformou em rejeição. Não podia perdoar aquela traição. Decidi que nunca mais queria ver aquela mulher na minha frente.

Agradeci ao velho. Deixei o copo de uísque no bar e sai. Nunca mais voltei a vê-lo também.

Com o tempo tudo o que ouvi foi confirmado com provas. O divórcio foi tratado por meus advogados. Gabriele/Gisele aceitou os termos e saiu quase sem nada do casamento. Mandou recados pelos advogados dizendo que me amava. Eu obviamente me recuso a acreditar em qualquer coisa que ela fale e não a deixo chegar perto de minhas filhas.

Não procurei por Giovana. Estou convencido de que ela está bem sendo criada pela tia que se converteu em mãe. Mandei algum dinheiro pra ela, pois foi o que minha consciência pediu, afinal é irmã de minhas filhas. Gisele depois de um tempo desapareceu, teme que eu possa denunciar sua falsidade ideológica. Já faz um ano. Essa covardia me pareceu um atestado de desamor por mim e pelas minhas meninas.

Carolina ás vezes pergunta pela mãe, quanto a Alexandra é muito novinha para entender. Sinceramente nesses momentos não sei o que dizer a minha filha, temo que ela se sinta rejeitada pela mãe. Prometi não mentir pras minhas meninas, apenas tento preserva-las enquanto posso dessa triste realidade que é a história da mãe. Não tenho qualquer noticia de Gisele ou de seu pai. Acho que sumiu sem reclamar nenhum direito porque sabe que tenho como provar sua negligencia como mãe e principalmente sua falsa identidade e poderia a qualquer momento manda-la de volta a prisão.