OS INVISÍVEIS.

OS INVISÍVEIS.
UM CONTO CONTEMPORÂNEO.

POR VALÉRIA GUERRA REITER



A verdade é soberana, e isto é importante: disse Leonardo. Ele escrevia, sempre o fez. Ele sempre foi um escritor.

A paz e o amor também faziam parte das prerrogativas da vida do professor de física. Ele gostava muito de exercer o magistério, mas escrever, sem dúvida, era seu ponto forte.

Escrever era respirar. Ele se debruçava (atualmente) sobre um romance a respeito de uma mulher e um sonho; e tecia a obra em parceria com Val Reiter, uma escritora amiga: "Camomila". o romance está sendo produzido, e se passa na ambiência de um navio de cruzeiro.

Claro, que Brandão sabia que no Brasil colonial, os senhores do MERCADO, sabiam escolher os menos proficientes que dariam o retorno perfeito para as respectivas "bolhas" que compram lixo, como luxo....


Leonardo Brandão, um escritor de renome (para quem discerne o que é refinamento) não sentia receio de dizer a verdade, seu verniz já estava no limite...

No pós-modernismo líquido, alguns sobrevivem, outros morrem. E Leonardo faz parte do grupo dos sobreviventes e resistentes. O autor de suspenses e terror, tinha pavor da literatura que flerta com a vulgaridade...

Ele também nunca suportou conviver com a-criatividade. Ele escapou, como sempre diz: do efeito desastroso da COLONIALIDADE.

Leonardo Brandão estava escrevendo um artigo sobre a cultura pós-modernista, e queria traçar um paralelo entre a vida suburbana e a vida na zona sul do Rio de Janeiro.

Então lançava mão de seu aparato básico: álcool em gel (70 %), máscara, e um distanciamento armado como barraca de praia. Lá ia ele, - transbordando contentamento - pela orla sulista do Rio. Depois, de forma atrevida, destemida mesmo, escolhia um dia da semana e pegava um táxi para visitar alguns bairros da zona norte.

Em uma tarde meio nublada de novembro de 2020, ele foi ao "Madureira Shopping Rio", sentou na praça de Alimentação, e por incrível que pareça tomou um milk shake de morango em uma lanchonete supra-capitalista, e pasmem: comprou um tênis Nike.

Quando ele ia saindo da loja de calçados, com o artefato atípico para seu perfil de inveterado nacionalista, o amante de Policarpo Quaresma avistou um jovem intelectual (assim, ele imaginou); pois o jovem lia. Ele sentiu uma intuição de solicitar àquele rapaz um parecer sobre o bairro, e de preferência se ele residisse na área...

Claro, que o senso de observação e faro de escritor e jornalista do nosso Leonardo, quase sempre não falhava. E dito e feito, ele se aproximou da mesa, onde o jovem lia, e percebeu que ao derredor, e Graças a algum Deus, não havia nem alma viva, nem (aparentemente) alma morta...

O escritor fez jus ao significado de seu nome, LEONARDO: leão forte, bravo. Ele chegou próximo a mesa de lanche, onde se encontrava o suposto intelectual suburbano, e disse: Boa tarde meu nobre. O rapaz realmente estava concentrado, pois demorou a levantar os olhos da lida. Depois fechou o livro de forma apressada, na página 402.

Ele fitou o invasor, e percebeu não se tratar de um nativo, notou isso pelo jeito de falar, e os trajes. E também pela maneira invasiva, que denunciarva se tratar de um estrangeiro.

O escritor, não portava mochila, e seu blusão era lilás, com detalhes brancos,ele usava óculos de aro dourado, e os olhos muito azuis, pareciam amiudados por trás do artefato, que na verdade tentava corrigir: vinte graus de uma miopia que crescera com ele...

A voz parecia de cineasta, tal qual nosso leitor aloirado...que usou o velho critério de detecção e reconhecimento dos confrades. Através de profundo senso de observação. O cineasta disse então:  - Boa tarde amigo, como vai? Bem. Respondeu o jovem aumentando a voz dantes trancada na boca, por conta do exercício silencioso da leitura inveterada.

Não se assuste. Eu estava passando e pesquisando, quando vi sua figura atenta à leitura, e resolvi me dirigir a você para uma prosa.

Se for de sua vontade, é claro. Não quero atrapalhar seu momento feliz. O jovem mudou a fisionomia carrancuda e meio assustada para outra mais alegre, deixando escapar entre os lábios finos: um pequeno sorriso.
Diego não imaginava que ganharia um presente de natal antecipado ao encontrar um ser humano (de verdade) e não um autômato que como gado vive ao sabor da onda do mar do MERCADO...

E naquele momento, o também cineasta Diego, iniciou um diálogo proficiente com o Senhor Brandão, como ele passou a chamar o escritor. Os dois acertaram os ponteiros do tempo...

Quando deu 21 horas, faltando apenas uma hora para o Shopping fechar, Diego disse:  Nossa a hora voou e eu nem percebi, tenho de ir para casa. E o senhor como fará, estamos sob pandemia, tudo fica mais complicado....e a zona sul, não é logo ali, já morei em Ipanema, e sei disso.

Diego, você morou na zona sul? Nós conversamos mais de quatro horas, e só agora mencionou. - Olha, não é costume meu convidar um quase estranho para pernoitar em meu apartamento, porém, acho que posso confiar em você senhor Brandão, o que me diz?
Aceita o convite?

Meu caro 
irei deixar para a próxima. Hoje tenho que assessorar minha mãe, ela está de férias, e com o vírus reinando, fica complicado.

Tenho 60. Minha mãe fez 79. Ela viveu os anos 1970; e aí já viu ... liberdade, paz e amor, e quando ela abriu os olhos: eu já havia nascido, e o pior, ou melhor, ela só tinha dezenove.

Filha de uma alemã (imigrante), e de um baiano, baita músico. Ele morreu de overdose de capitalismo....Ele bebeu, fumou, e foi escravo de um banco para poder me sustentar, isso até meus dezessete anos...quando morreu no ringue.

E por incrível que pareça seu nome era RAFAEL, que significa curado por Deus...

Eu lamento senhor Brandão. Disse Diego meio triste.

Pois é, meu nobre; eu nunca esqueci o rosto de pavor e revolta que minha mãe fez quando soube da notícia; e olha que eles já estavam separados há um ano. Realmente a história de ambos é original, muito similar a tantas outras coloniais, como costumo chamar....

A dupla de intelectuais alcançou o piso inferior do Shopping, e alguns transeuntes pareciam aglomerados...o que não evitou um comentário de Brandão: Essa gente parece que não pensa; a máscara e o distanciamento, por enquanto, são a única vacina.

Diego apressou o passo e proferiu: Já havia vindo aqui? e Brandão respondeu sofregamente: quase. Em um carnaval dos anos oitenta, eu quase vim.

Na verdade, eu namorei uma menina, que morava em Cascadura, e me chamou para irmos à Portela.

Eu também quando morava em Ipanema conheci uma garota de Cascadura (disse Diego), mas ela era esnobe. E esse tipo de ser humano não me "irriga". Estou escrevendo um roteiro sobre a desigualdade e seus efeitos mentais na vida do povo brasileiro. Nossa meu jovem, nós temos que conversar muito mais. Espere passar as festas, e iremos marcar...

Nesse momento um homem alto e forte se aproximou dos dois novos amigos, e perguntou se ali havia alguma farmácia. Diego disse que sim, fica no primeiro piso.Brandão notou que o homem estava armado...o movimento, apesar da pandemia, estava intenso...e ali naquele pub, tinha de tudo...

O homem sacou a arma e colocou na própria cabeça, Diego gelou. E Brandão puxou o rapaz para longe daquele momento sui generis...

A reação daquele homem forte foi surpreendente,questionando aos berros: - EU ESTOU INVISÍVEL?

E neste momento Brandão avisou ao Diego: Amigo pode ir para casa...O rapaz ficou atônito, e questionou: Como? ele poderá matá-lo.

Não, nada disso, eu estou armado. Diego ficou estarrecido.

E se encaminhou devagar ao seu destino.... O homem, continuava a gritar, questionando a todos: Eu estou INVISÍVEL??

Dois policiais se achegaram à cena, e Brandão disse indignado: ele é meu amigo, o homem olhou o seu olhar, e bradou: - ELE ESTÁ INVISÍVEL.

O rapaz gritava e gesticulava, até que um dos policiais disse em tom bravio: Você está preso! Então, o nosso jornalista e professor puxou seu celular e começou a filmar...

As pessoas se aglomeraram em volta da cena...e então o rosto do ator, que estava apenas sendo testado para receber seu DRT, se encheu de pavor, e ele ressaltou: calma rapaziada, isso é só uma encenação...

Porém, de nada adiantou, os dois policiais levaram o jovem de 35 anos, que estava tentando pela enésima vez se enquadrar nos parâmetros de uma seleção que ocorria todo ano, a fim de pleitear uma vaga em um curta metragem e de também ser avaliado para receber o tão sonhado registro de ator pelo SATED-RJ.


Leonardo Brandão bradou: Diego? Diego? e de repente, o novo amigo do escritor ressurge de um tempo já esfacelado e adentra o ambiente que havia deixado para trás, ele está vestido de HUCK.

Sim, ele está fantasiado de "L. Huck" ( o da Tv) e chegou perto dos policiais dizendo: Meus caros por favor, este jovem, agora não é mais um invisível, por favor deixem-no livre...

Imediatamente, os homens fortes e agressivos soltaram Arnold, que agradeceu muito ao Diego, pensando que realmente era Luciano...E então Brandão abraçou os dois e avisou em alta voz a Ricardo que estava com a claquete ao longe: corta!
Bem, parece que neste dia todos ali saíram da invisibilidade que vem avassalando os mais talentosos em detrimento dos mediocrizados espertalhões, que habitam o paraíso pós-moderno fluido que fica contido no universo de um sistema desigual e combinado ( excelentemente )formulado pelo bom Trotski.

#LEIABRAZILEVIREBRASIL