Uma certa Adélia
Meu isolamento na República do Nelson era até compreensível: recém-admitido naquele primeiro semestre de 1968 aos dezessete anos, eu era não mais que um colegial, egresso do Seminário de São José, ainda aspirante a quase tudo na vida: emprego, paixão, personalidade, barbas, e até definição de uma vocação...que não encontrara na vida religiosa.
A rapaziada que lá vivia - agora na esquina da Rua Rio de Janeiro com a 21 de Abril, bem num dos cantos da Praça do Santuário, após ter saído da charmosa casa da Rua Itapecerica - era composta essencialmente de jovens adultos, gente empregada em bancos, porejando auto-confiança, e naturalmente devotados às suas paixões.
No restoio, sobravam o Rubão, aparentemente órfão de pai e mãe, de ascendência libanesa, mas folgazão e de bom cabedal, o Haroldo, o benjamim da turma, provindo de um povoado ferroviário e vizinho, Gonçalves Ferreira, sobrinho do dono da República, aprendiz na Escola da Garagem Central da Estrada de Ferro do Oeste de Minas, praguejado pela acne e pelo ressentimento de ter um irmão mais velho bonitão, longilíneo, goleiro e claramente favorito do pai...
Nos fins de semana, em razão da emergência de Faculdades, a cidade se enchia e a República, além de preencher suas eventuais vacâncias, convertia-se em disputado local de concentração de estudantes universitários das cidades vizinhas para almoço. Com familiares em Pitangui, e até um ensaio de namoro, eu raramente presenciava essas transumâncias, mas as aspirava tanto quanto as invejava...
E me restavam os dias de semana para amargar aquela ansiedade: de fazer 18 anos, de entrar para uma universidade e de conseguir uma ocupação. As eventuais tentativas de atrair os olhares ou mesmo a atenção das moçoilas eram baldadas praticamente na raiz. As belas moças do Major Guadalupe, que viviam logo defronte a República já namoravam com rapazes bem empregados e nada indicava que sua irmãzinha menor já não tivesse uma crescente lista de pretendentes melhor qualificados.
O Jornal o Estado de Minas de todos os dias eu podia ler em paz, no alpendre, assim que chegava do Estadual do Porto Velho, onde fazia meu terceiro ano clássico. Aquela paz, contudo, só fazia acrescer a sofreguidão que parecia bem maior do que as esperanças. Mas eu me lembro de uma passagem em que lendo a coluna de correspondência do interior, embevecido por uma foto de uma Miss Uberlândia, Angela Stecca, em preto e branco de baixa resolução por sinal, fui invadido daquela certeza de que ela ganharia coroa e cetro de Miss Minas Gerais... Divinópolis já tinha tido a sua vez no ano anterior, com uma Marly Rocha...
E depois do almoço, na inapetência para pegar no cadernos e compêndios, vinha o irrecusável convite do Haroldo para uma voltinha pela cidade, cujo destino mais frequente era a estação rodoviária, a uns três ou quatro quarteirões logo abaixo. Enquanto geralmente exaltava um Mestre Mercemiro, Haroldo, com seus 16 anos, até me parecia mais esperançoso num futuro estabilizado do que eu...a quem não faltavam bons mestres no Colégio, inclusive uma certa Adélia Prado que tanto se empenhava em nos fazer crer na Filosofia...antes quiçá de se enveredar pela Poesia...