A senha

Antônio ganhava a vida vendendo cachorro-quente. Durante o dia ele fazia ponto em frente a uma escola secundária e a noite em frente a uma faculdade. Nas noites de sexta e sábado ele ficava a madrugada em frente a uma boate alternativa. Com isso, ganhava o suficiente para sustentar seus dois filhos e a mãe idosa. A esposa infelizmente tinha falecido num acidente de moto. Antônio nunca quis se casar de novo.

Não dá para dizer que a vida de vendedor de cachorro quente é monótona. Se o ofício em si não tem nada de mais, as conversas que se escuta são extraordinárias. Antônio já presenciou términos de relacionamentos, pedidos de namoro, gente embriagada tentando melhorar, gente normal tentando ficar embriagada, fofocas, intrigas. Até detalhes sobre um caso de sonegação de impostos ele já ouviu – a escola na qual ele fazia ponto ficava em frente ao prédio da receita federal. Pelo que Antônio entendia, não havia situação no mundo que fosse incompatível com cachorro-quente.

Antônio tentava ser simpático com todos que apareciam. Ele era ruim de decorar rosto, então, chamava todo mundo de “amigo/amiga”. Mas tem um rosto que ele nunca esqueceu. Uma mulher de cabelos pretos, rosto angular, que sempre usava botas, mesmo no verão (aliais, ele lembra de ter visto ela de chinelos apenas uma vez; e mesmo assim o culpado foi uma unha encravada de dar dó). Ela vinha sempre as terças-feiras. Chegava por volta da quatro, pedia um cachorro quente, comia metade, jogava metade fora. Na primeira vez que isso aconteceu Antônio não se importou. Imaginou que ela não tivesse gostado do produto. Ele não ficou feliz, mas isso era algo que podia acontecer.

Então isso se repetiu de novo e de novo. Ele cheirou a salsicha descartada para ver se havia algo errado com ela. Normal. E além do mais, se houvesse algo errado com a salsicha ou com o sabor, ela não voltaria. Dieta? Redução de estômago? Ofereceu a ela um sanduíche menor e mais barato, mas ela recusou. Queria o de sempre.

Antônio não queria perguntar. Pareceria invasivo demais. Mas o mistério o corroía. Um dia não aguentou.

- Amiga, percebi que você jogou fora metade do cachorro-quente. Achou algo de errado? Não está bom?

- Não tem nada de errado com o cachorro-quente, obrigada.

- Amiga, desculpe… Mas vejo que você faz isso a várias semanas. Eu preciso saber o porque…

- Não é nada. Com licença.

Antônio achou que ela não voltaria depois disso, mas na sexta-feira seguinte lá estava ela. Não adiantava perguntar. Tentou descobrir por outros meios.

Um dia, levou um primo para ficar no carrinho de cachorro-quente. Assim que ela terminou de comer, Antônio a seguiu. Ela entrou num prédio espelhado – um complexo de escritórios – e ele não viu mais nada. Na semana seguinte, esperou em frente ao prédio, mas ela não saiu por lá. Provavelmente ela percebeu que Antônio a seguia e entrou lá só para despistar. Um dia simulou estar sem troco e pediu para que ela pagasse com cartão. Procurou na internet o nome do cartão e não achou nada.

Quando Antônio já estava sem esperanças, a mulher surgiu. Pediu um cachorro-quente e o comeu inteiro. Pagou e foi embora. E enquanto Antônio lamentava frustrado que isso não resolvia o mistério, uma enorme explosão aconteceu. O prédio da receita ardia em chamas.

- Claro! Era isso!