MEU APARTAMENTO VIROU AIRBNB

Antônio Duarte Pereira, cinquentão, cidadão brasileiro, diplomata de carreira, morador do bairro de Morumbi em São Paulo voltava contente às suas raízes depois de uma longa estadia no exterior. Sempre estava a par de sua família por conta da preocupação com sua mãe idosa e inválida. Mas sempre teve a certeza de que ela estava sendo bem tratada por duas excelentes cuidadoras. Ele era um solteirão empedernido, mas não conseguia deixar de se preocupar com sua mãe viúva. Até por conta de ser o filho mais responsável.

Chegou à rica Sampa e entristeceu com a situação do centro da cidade pela pobreza espalhada por todos os cantos. Puxa, pensou, até o Estado mais rico do país está nessa situação de penúria? Seguiu conversando com o motorista de Uber, pondo-se ciente da precarização deste oficio por todo o mundo. E, comentou com seus botões: ”Ainda bem que pertenço às minorias privilegiadas e como diplomata nem preciso morar aqui. Basta convencer mamãe a viajar comigo e nem precisarei voltar mais para cá. O Brasil mais parece uma Republiqueta das Bananas”.

Quando entrou no edifício imponente com apartamentos de 400 metros quadrados percebeu uma ausência de zelo pelo hall, e um vai e vem de moradores que não tinham o padrão dos tempos que residia por ali. Louco para entrar em casa e se refrescar da longa viagem não falou nada com o porteiro. ”Esses trópicos deixam os nossos neurônios amortecidos, como posso achar que as pessoas são esquisitas diante do padrão classe A do edifício”?

Levou um choque com a sua sala de estar, motivo de tanto orgulho no passado, que estava destroçada O que fizeram com meus móveis ao estilo rococó Luiz XV? Só deixaram o aparador retrô e uma poltrona com a estética desta época de refinamento francês (1730-1760). Seus amigos de altas rendas viviam elogiando o seu bom gosto. Do jeito que seu apê estava nem poderia receber seus colegas de Embaixada. Parecia com a decoração precária dos albergues que frequentava quando jovem em suas turnês ao exterior.

O jovem que pegou as suas malas disse que seu irmão viria dar as boas vindas. Ficou claro que o imóvel foi invadido e ele era o responsável. Ficou esperando, mas começou a suar e sua curiosidade fez com que fosse em direção ao interior da residência para se certificar das mudanças.

Encontrou sua mãe na antiga despensa, abandonada em um espaço exíguo e sem ventilação. Com uma televisão aberta dia e noite, sua cadeira de rodas e um sofá-cama. Disse que seu outro filho havia se endividado e resolveu este problema alegando que iria cuidar dela. Desculpou-se de não proibir a sua entrada por conta de sua fragilidade. As suas cuidadoras foram demitidas.

Voltou a percorrer sua antiga moradia e viu que tudo havia mudado, alguns cômodos possuíam mesas e cadeiras para reuniões de negócios, outro dormitório coletivo com camas beliches, e quartos para casais. Tudo reestruturado para funcionar como AIRBNB, a nova modalidade de aluguel em plataforma on line. Cada vez mais nervoso voltou ao ponto de chegada e, por lá, estavam hóspedes estrangeiros com roupas vistosas no estilo nouveau-riche. Um deles era tão mal encarado que parecia mafioso italiano. Um ir e vir no ambiente misto de residência e comércio que se aproveitava do local luxuoso para esconder transações ilícitas.

Estava matutando sobre o que fazer quando seu irmão apareceu na sua frente.

-- OI, querido não se assuste com as trocas que operamos por aqui e sem sua autorização. Desempregado e a mamãe tendo de me auxiliar com o dinheiro que você mandava, tive a ideia de me mudar para cá.

-- Por que você não me avisou? Afinal eu sou o proprietário e não lhe dei autorização para montar estes serviços de hospedagem. E, o que fez com os meus móveis, livros e antiguidades? Você é um canalha, um mau caráter, um ladrão.

--Calma, vai descansar um pouco da viagem, tomar um banho e, depois, nós conversamos melhor. Faça a sua refeição, aqui temos um ótimo cozinheiro. Posso lhe dizer que lucramos com o sistema de aluguel. Podemos rachar os lucros. Quanto aos seus bens tive de vendê-los, só fiquei com a poltrona e o aparador porque sabia que eram os seus prediletos. Espera que vou chamar o empregado para mostrar seu alojamento.

Abatido o diplomata começou a surtar: “Isto é surreal, como este calhorda assalta a minha propriedade e ainda me trata como um vassalo? Como o síndico e a empresa administradora se omitiram”? Vivia um filme de terror? Queria tomar providências, mas o cansaço não permitia.

Antônio foi parar no lugar dos hóspedes em cama-beliche. Quando procurou por suas malas e documentos o funcionário não sabia onde foram colocados. Pronto agora estava acuado e com medo. O seu desespero vai crescendo e percebeu sintomas de alta de pressão arterial. De repente sem controle algum de seu corpo tem um ataque de apoplexia fulminante e morre. Mas, a sua agonia não acaba, pois não esperava o seu fim, começa a flutuar por cima das pessoas que chegam atraídas pelo espanto do empregado. Não controla sua energia que fica pairando no teto de pé direito alto. Grita de indignação e acha que teve um pesadelo horroroso. Mas ninguém atina para sua raiva e ele, atordoado, toma consciência que estava em outro plano astral.

Quando percebeu que não era mais matéria, cortou o delírio e o descontrole e, concluiu: “Esta deve ser uma metáfora da vida, pois os que creem na continuidade do espírito dizem que devemos nos desapegar de todos os bens materiais”.

Falta apenas falar sobre a conclusão do defunto, que para nós, fica no nível do senso comum, funcionando como verdade evidente: o desapego budista centrado nos bens materiais; o apego à família idealizada como eixo afetivo e material; o apego às novidades do mercado que, em países sem fiscalização, podem induzir ao enriquecimento ilícito; a crença de que aqui se faz aqui se paga e a torcida pelo Final Feliz. São possibilidades que nem sempre correspondem à vida real. Mas bem que a gente torce para que o bandido seja punido!

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 09/12/2020
Código do texto: T7131653
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